27.8.08

Desarmado. Mas Um Dia Eu Irei!

Imagina-te a planear uma das viagens da tua vida. Consegues?
Com toda a garra e determinação. Tens um ano para o fazer. Sentes que tens tempo mais do que suficiente para preparar tudo com afinco sem nunca ir demasiado aos pormenores, porque o interessante da viagem é esta base: a aventura!
Sem locais de pernoita, apenas as passagens de avião compradas e o itinerário mais ou menos traçado podendo ser alterado se assim o desejarmos. Comboio, camioneta, bicicleta ou riquexó tanto faz. O que interessa, verdadeiramente, é este espírito de aventura que te envolve numa vivência única de entrega ao mundo. Queres senti-lo. Queres viver cada momento e ter uma montanha de acontecimentos bons ou maus para poderes recordar, fora da imagem idílica de uma viagem turística, onde os bilhetes e percurso são comprados por uma agência, e te encaixotam num resort igual a outro na ponta oposta do mundo.
Durante meses trabalhas nesse mesmo sonho. Tens alguém para te acompanhar nele. Que bom que é partilhá-lo! Crias expectativas e começas a sonhar com as inúmeras possibilidades de acontecimentos susceptíveis de acontecer. Há dias que te ris disso. Outros, sentes algum receio. Receio, pela aventura que poderá não correr pelo melhor porque os perigos tornam-se iminentes: roubos, doenças, perda de comboios, dormidas na rua com saco cama em plena monção. Mas apesar de tudo aquilo que vais sentido, acreditas numa história que sabes que ficará para sempre a borbulhar viva e intensamente dentro de ti - por teres concretizado esse teu sonho. Sabes que o atingiste e por mais que vivas e experiencies outro tipo de situação semelhe, “aquele” foi o auge! Foi o momento. O grande momento! E nessa expectativa começas a preparar tudo. Pedes à tua entidade patronal um mês inteiro de férias. Com alguma relutância, conseguem organizar os horários dos funcionários para poderem dar-te o tempo que queres para poderes aceder a um egocentrismo teu. Compras os guias de viagem e devora-los em menos de nada. Leva-los para todo o lado e em qualquer parte aproveitas para beber um pouco mais dessa cultura, ao ponto, de chegares a sentir a própria cultura e costumes. Tens alguma dúvida se conseguirás habitua-te a ela. Mas não pensas muito nisso. Continuas a devorá-los à mesma.

Começas, então, a organizar a tua vida em função da viagem que queres fazer. Deixas de sair com alguns amigos e fazes alguns “cortes” nas tuas despesas. Começas a poupar em tudo o que podes para poderes ter dinheiro suficiente para te manter um mês fora do teu país. Fazes ainda alguns sacrifícios maiores. Mas sabes que não te vais arrepender. Disso tens a certeza.

Falas aos amigos, familiares e colegas de trabalho desse teu sonho. Respondem que és maluco em fazeres esse tipo de viagem. Ris-te. E sabes que sim. Que tens um certo grau de loucura entranhado em ti, mas não te importas.

Perdes tempo em questões necessárias e práticas no planeamento e organização da viagem. Telefonas para as seguradoras no sentido de te precaveres de alguma doença que te possa assolar e que rapidamente terás de ser transportado de urgência para Portugal. Fazes várias simulações e tentas perceber os vários preços que se adequam melhor aos teus receios. Contactas também com o teu médico de família. Pedes-lhe informações. Ele manda-te fazer algumas análises. Tiras sangue e percebes se ainda tens alguma imunidade perante algumas doenças. Receitam-te a terapêutica e encaminham-te para o Instituto de Higiene e Medicina Tropical para uma “consulta do viajante”. Falas com amigos de amigos que também já realizaram uma viagem semelhante e ao mesmo país que tu. Crias ainda mais expectativas ao ouvires com um sorriso enorme tudo o que te contam. Marcas cafés com esses amigos, onde em cima da mesa no Adamastor, em Lisboa, começas a desdobrar o mapa e a delinear possibilidades de itinerários. A cada dia que passa começas a conhecer melhor essa cultura. Investigas. Procuras. Vives da net e deixas horas de sono por serem dormidas. Estás impelido a viver dessa forma, pois como dizem “o sonho comanda a vida”. Começas a iniciar algumas compras necessárias para tal: desde a pequena lanterna, passando à almofada para colocares no pescoço enquanto viajas horas a fio de comboio. Compras uns óculos de sol novos, mesmo sendo comprados no Centro Comercial Mouraria. Compras também o líquido para as lentes de contacto, numa dimensão que possa passar pela alfândega no avião. Investes em roupa fresca e t-shirts de algodão como indicam os guias de viagem. Empenhas-te numa máquina fotográfica de mais de 500 euros, para poderes captar os momentos da viagem da tua vida. Como mochileiro que és, já tens a tua própria mochila, velha, rota e desgastada, que só tu mesmo dás valor por ter ido viajar contigo já por tantos outros lugares. Investes numa outra, e compras mais uma mochila pequena para transportar os pequenos haveres: comida, guias e mapas, uma camisola para o frio, dinheiro, documentos e uma pequena garrafa de água. Chegas ao ponto de realizar uma pequena lista com tudo aquilo que tens de levar e com tudo aquilo que te falta comprar, e chegas ainda ao ponto de teres o teu itinerário escrito numa tabela que contem os dias, os locais de passagem, de pernoita, os números e nomes dos comboios a apanhar, o nº de horas de viagem, e pequenas observações.

Hierarquizas prioridades poucos meses antes de partires. O tempo avança! Sabes que tens de comprar primeiro as passagens internas – uma vez que as restantes viagens já estão compradas - depois dar uma vista de olhos pelos horários de comboios e camionetas da comunidade local, seguindo-se a vacinação, os seguros e a digitalização dos teus documentos para poderes enviar por e-mail para ti próprio caso percas ou te roubem a tua “papelada”. O período de férias inicia. Deixas de fazer aquilo que realmente gostas – viajar com os amigos – porque já tens a tua própria viagem marcada, pensada, envolta em sentimento, afectividade e expectativas. Os teus amigos vão para fora em pleno verão. Uns voam até Sydney, outros Barcelona, Madrid, Sesimbra, Algarve, Odeceixe… todos te convidam para poderes ir com eles. Sorris e dizes que estás a juntar dinheiro e que não podes mesmo. Respondes com um brilho nos olhos: “Vou para a Índia! Um mês!” . Rejeitas qualquer hipótese de ir para outra parte do mundo. Afinal… sonhos são sonhos! A duas semanas de partires, telefonas ao teu amigo que irá fazer essa mesma viagem contigo para delinear as últimas questões. Sentes na voz dele que algo se passa. Mas não ligas. Responde-te, apenas que não poderá ir ao teu jantar de aniversário. Não questionas. Mas segue avante na conversa, e diz que teve a pensar melhor e que “ponderou a situação” e que não irá à INDIA!!!!

No momento, ris-te, capaz de soltar valentes gargalhadas com a situação. Depois de perceberes que é bem verdade, após dizer-te: “vai tu… porque não vais sozinho?”, percebes efectivamente que não vai, e nesse momento, a tua expressão facial muda completamente, das gargalhadas para uma cara gélida, branca, estarrecida e sem perceber bem os porquês da atitude, por mais desculpas que dê ou argumentos que utiliza. Ficas assim… nada mais, nada menos que perdido, sem saber o que fazer. Começam a fervilhar em pensamentos. Muitos, e ao mesmo tempo na tentativa de remediar a situação. Começas a ponderar em convidares outras pessoas para irem contigo à tão desejada viagem e percebes que todos os teus amigos já tiraram os dias de férias e que um mês é muito para eles. Percebes que uma “viagem-aventura” como esta requer no mínimo duas pessoas - por mais louca que ela seja - para no caso de roubo ou doença, estar acompanhada, e que por isso não podes ir sozinho. Compreendes ainda que viagens low cost não te devolvem o dinheiro, nem te permitem direccionar a viagem para outra rota, ou encurtar os dias de viagem. Todas as alternativas estão em jogo. E pensas. E continuas a pensar. Os dias demoram a passar porque não consegues fazer mais nada se não pensar. E continuas a não acreditar no que te aconteceu. Sentes uma confiança traída e que, nesse preciso momento, encontraste-te cara-a-cara com a desilusão. Completa! Afirmam-te que te pagam a viagem, pelo sucedido. Mas questionas as expectativas criadas; questionas o tempo gasto em leituras, em dias perdidos na Internet, em telefonemas realizados para a Embaixada, em horas de sono perdidas, o tempo perdido em filas de espera, na realização do planeamento da viagem, na realização dos cartões de crédito, num ano de preparação!!! E isto? Não se contabiliza? Certamente que para além do que é físico, hoje em dia poucas pessoas conseguem perceber que mais importante que esse real – o material, existem valores: a confiança, o compromisso, o respeito, e acima de tudo, a amizade que são, certamente, basilares na construção da integridade humana.

Confrontas-te, então, com a inutilidade, e “amarrado” resta-te apenas ficar um mês por casa! Não acreditas… e recusas a acreditar apenas nessa possibilidade, para quem tem sangue de mochileiro. Olhas para trás e percebes que no que poderias ter feito e não fizeste, no que poderias ter ido e não foste, no que poderias ter comprado mas não compraste, no que poderias ter estado mas não estiveste! Feliz daquele que não espera nada, pois não terá desilusões! Mas com isto uma grande aprendizagem. Cheio. Repleto. A transbordar dela… Alguém quer um pouco desta aprendizagem? Dá-se! É grátis e sem dúvida valiosa!

4.8.08

8. Á Beira do Rio Thames

Foi à beira do Rio Thames que passamos o último dia em Londres. E por incrível que pareça foi, precisamente, também no último dia que vimos o brilhante Big Ben – o relógio pelo qual o mundo rege as suas horas. Saímos do metro e por entre a neblina que caracteriza a cidade de Londres, vejo o Big Bem ali mesmo à minha frente. Olho à volta e pessoas de todas as partes do mundo fotografam-no. Penso por momentos que talvez este possa ser o monumento mais fotografado do mundo. Quem sabe?
Big Ben_Londres
Retiro também da bolsa a minha máquina fotográfica e de várias posições, de vários ângulos, contrastes, luzes, com ou sem pessoas na rua, fotografo-o também. É sem dúvida um monumento brilhante que à beira do Rio Thames, e envolto pela “Casa do Parlamento” e pela “Abadia de Westminster” emerge, simples e exuberante.
Rio Thames

Westminster Abbey

Atravessámos a ponte por várias vezes, correndo ensopados da típica “chuva molha tolos”. É assim Londres: Imprevisível. Sol esplendoroso nos primeiros dias de viagem e chuva e neblina o resto do tempo… Desprovidos de qualquer protecção a não ser os jornais gratuitos que apanhamos em qualquer parte da rua, protegemo-nos como podemos até poder chegar da estação de autocarro que desejamos. Entramos nas lojas descaradamente para não comprar nada. Olhamos lá para fora, a chuva passa, e vislumbramos o nosso autocarro a aproximar-se. Saímos apressados das lojas, ficando as empregas a olhar para nós como se tivéssemos desviado algo. Acenamos com o dedo em riste e dizemos que não o podemos perder, e vamo-nos embora sorridentes, para o autocarro. A semana correu basicamente desta maneira. Uma boa estratégia para quem está desprovido desde tipo de tempo!! Mas esta foi umas das minhas viagens que tenho a certeza que irá ficar marcada pela simplicidade vivida, e ao mesmo tempo, pela alegria vivida. Recordo e vejo apenas alegria. Risadas, aproveitando o máximo dos bons momentos: Percorrer museus meia hora antes de fechar e ver na “National Gallery” e na “Tate Modem” obras como as Van Gogh, Caravaggio, Rembrandt, Leonardo DaVinci, Botticelli, Michelangelo, Velázquez, Monet, Seurat, Cézanne, Pablo Picasso, Alberto Giacometti, Joan Miro, entre outros, em menos de 15 minutos, correndo pelos corredores fora, com o mapa na mão do museu, é obra. Comprar pão, queijo e Iogurtes líquidos numa mercearia 24 horas aberta perto de casa, para tomar o pequeno-almoço na rua (literalmente na rua) e em pé, enquanto um abre o pão, o outro coloca o queijo dentro do pão e distribui pelos elementos do grupo, é vida! Viver é também experiênciar uma noite perdida entre autocarros nocturnos, realizando os mesmos percursos vezes sem conta sem percebermos o porquê, e rir com isso!

Piccadilly Circus

Viver é ficar uma tarde inteira numa esplanada em frente ao Thames e ver o anoitecer. Viver é caminhar sem rumo como fizemos várias vezes e descobrir caminhos jamais percorridos pelos turistas. Viver é perdermo-nos e ter medo de não encontrar os amigos. Viver é comer comidas manhosas apenas para experenciar a cultura local e ficar de caganeira! Viver é subir a estátua da praça central em “Piccadilly Circus” para poder tirar uma fotografia. Viver é prometer voltar ao local anterior para comprar os Souvenirs finais e partir para Lisboa sem nenhum souvenir. Viver é dizer, sem intenção, a um turista que deve apanhar um maranhal de autocarros e metros para determinado local quando o mesmo se encontra atrás de nós. Dos bons momentos desta viagem fazem também parte a tentativa de streaptease realizado no varão do metro da estação de “Liverpool Street”. Do jogo “um limão meio limão” realizado num bar chique de “Soho” e de rirmos estridentemente ao ponto da Susana ficar envergonhada e retirar-se da mesa. Fazem também parte a tentativa frustrada de nos sentarmos nas MARAVILHOSAS cadeiras de pano de “St. James Park” e de sermos expulsos delas por ter de se pagar, sentando-nos por fim, nuns bancos de madeiras DUROS COMO UM RAIO mas deslumbrando o final do dia com um pôr-do-sol fantástico. Relembro ainda termos dado um BALÚRDIO de dinheiro no Museu da Ciência para andarmos num simulador e sairmos todos de lá a correr para a casa de banho devido à má disposição. Enfim… foram momentos bons, únicos e irrepetíveis. São estes que constroem a minha vida, fazendo também dela algo única.