29.7.07
O Dia das Descidas: Viver a Radicalidade da Aventura
Mais uma vez embarcamos nas canoas, agora para um percurso que, rapidamente, nos aproxima do fim da descida. Na margem direita e junto a um grande e antigo cais, está a rampa de desembarque. Quisemos ser os últimos a chegar para poder aproveitar ao máximo o tempo que ainda nos restava. Doíam-nos os braços. Mas gostaríamos que esta descida pudesse durar também da parte da tarde, simplesmente pela sensação de estarmos em repleto contacto com a natureza. Pela sensação de liberdade, pela sensação de desfrutar de pormenores e vistas fabulosas. Por tudo, não queríamos terminar a nossa aventura já ali… Estávamos prontos para almoçar, e podemos fazê-lo à sombra no relvado à beira rio. Afinal, era preciso retomar forças para a actividade da parte da tarde! E se foi preciso! Sandes, iogurtes, sumos, fruta fresca, croquetes de carne para quem come carne, água, muita água!!! Assim, nos alimentámos… e ali ficámos a retomar forças.
DESCIDA EM RAPPEL DA PONTE DA VILA DE CONSTÂNCIA
Ás 15:30 iniciou a actividade de Rappel. Olho a ponte cá debaixo e vejo duas intermináveis cordas penduradas. O monitor explica como tudo se processará. Alguns valentes querem ser os primeiros a experimentar, numa tentativa de impressionar o resto do grupo que estava um pouco assustado. Ainda mais assustado ficou quando alguns destes valentões que quiseram ir em primeiro lugar, regressam a pé, desistindo de realizar o Rappel. Dizem que não têm medo. Apenas falta de coragem!!! Penso então que muito mais do que exigir grandes aptidões físicas, este exercício desenvolve a força psicológica e a capacidade de decisão. A Cláudia e Susana já decidiram: não vão… muitos outros se juntam a esta decisão!!! Deixo passar algumas pessoas à frente enquanto a adrenalina se vai instalando. Não sou capaz de descrever o que estava a sentir. Talvez um misto de medo, adrenalina, estado maníaco, valentia, cobardia, terror, embriaguez, impressionismo, estupefacção… disfarçava tudo isto com humor, muito humor! Não era a primeira vez que estava a realizar uma actividade destas. Mas, certamente, era a primeira vez que realizava numa altura destas! Já tenho vestido o Bouldrier, totalmente ajustado às pernas e à cintura. Sou um dos próximos. Espero apenas que desça alguém para me dar o restante equipamento, o capacete e a luva. Olho para cima, e vejo que lá em cima alguém ficou preso. Está suspenso numa altura infindável. A t-shirt dele ficou presa no “Freio 8” - equipamento em formato de oito, feito a base de titânio, por onde a corda passa e faz atrito, tornando possível o controle da descida pelo praticante. O silêncio é geral. O que se está a passar? Apenas vimos que um dos monitores desce por uma outra corda até o alcançar. É-lhe lançado uma faca, onde esfateja a T-shit Nike do rapaz! Após 15 minutos estar preso no meio da descida lá consegue chegar a terra firme. Já totalmente equipado subo até ao cimo da ponte. Estão algumas pessoas ainda à minha frente. Agora sim, vejo a dimensão que a ponte têm. Lá de baixo nem percebemos bem o quão alto é! Estou com medo. Quero desistir, mas não comento a ninguém. Só me passa pela cabeça que esta gente é completamente louca! Vejo a cara das pessoas ao colocarem as pernas para o lado de fora das grades. Tremem que nem varas verdes, agarrando-se, com todas as forças, às grandes com medo de cair, mas mesmo assim, fazem-se de fortes. Sorriem. Mandam piadas. Tornam-se irónicas. Ouvem a explicação do monitor, e com expressões faciais tensas, vão descendo com a indicação técnica. Fico um pouco aflito. Sou eu a seguir!!! Olho lá para baixo e vejo todos os outros como pontos pequenos. Consigo perceber alguém que acena. É a Cláudia. Diz que me vai tirar fotografias! Está eufórica e ri-se com a minha figura! Nem lhe presto muita atenção. Já estou com as pernas do lado de lá das grandes. Eu, assim como os outros, agarro-me ás grades com todas as forças que tenho, apesar de estar seguro. Não cairia, mas a adrenalina é tanta que nem nos deixa pensar. A única coisa que me sai da boca são asneiradas. Tantas, de todas as formas e feitios. Eu não sou assim. E rio-me descontroladamente. Mais uma caralhada que digo, e outra e outra. As pessoas que vão a seguir a mim riam-se também. Rimo-nos todos. Rimo-nos dos nervos. Estava pronto! Ou talvez nem tanto… mas começo a descer… olho para baixo! O que eu fui fazer? Sinto o coração a alta velocidade. Com os pés na berma da ponte, vou-me inclinando aos pouco até ficar totalmente paralelo ao chão, uma mão segurando o Bouldrier e a outra segurando a corda atrás das costas. Estou preso apenas por uma corda! Solto os dois pés da ponte e agora sim, estou totalmente suspenso. Após perceber, que tinha passado a parte pior, ridiculamente, sinto-me mais descontraído. Aproveito para observar todo o rio que hoje já o canoei… é enorme. Vejo a paisagem e aos poucos e poucos vou descendo, deixando escorregar a corda por entre a luva. Aperto novamente a corda para não ir muito depressa. Estou a adorar. É uma sensação única. Única mesmo. E sinto-me cheio. Feliz. Capaz. Único também! Cá em baixo a Cláudia continua a fotografar-me. Olho para ela e rio-me. Agora esta foto foi com sorriso! Volto novamente a concentrar-me naquilo que estava a fazer e a viver. E perspectivo o mundo de outra dimensão. É fantástico realmente vê-lo por outras perspectivas, sem ser sempre as nossas. Aprendemos mais. Sentimo-nos diferentes. E crescemos… Chego cá a baixo e estão já algumas pessoas amigas a perguntarem a sensação. Não consigo explicar. É, sem dúvida, indescritível. Só mesmo vivendo e experenciando. Alguns riem-se. Vem ter comigo e dizem que disse tantas asneiras repetidamente lá em cima, que é impossível não se conterem… mas riem-se sobretudo com a expressão “bola pintelhuda” que, sinceramente, não me recordo de a ter dito! Bola pintelhuda??? Meu Deus! O que a adrenalina nos faz!!!! Todos juntos, fomos então lanchar. E depois do lanche, um mergulho nas águas gélidas do rio Tejo. Credo! Acho que nunca tinha sentido uma água tão fria como esta. Até os “tim-tins” se congelaram! Saímos rapidamente. Regressámos e o cansaço tomou conta de nós. Adormecemos á sobra de uma árvore. Descansámos. Que boa sensação de acordar com uma leve brisa fresca. Sentimo-nos felizes. Foi um dia em grande. Em grande mesmo. E não nos cansamos de dizer isso mesmo uns aos outros. “Foi do Melhorio”!!!