5.12.07

Che Guevara: Percorrer a América do Sul de Mota

"O verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de generosidade; é impossível imaginar um revolucionário autêntico sem esta qualidade”
Che Guevara

A TRANSFORMAÇÃO DA VISÃO DO MUNDO DÁ-SE QUANDO VIAJAMOS...

Em 1952, dois jovens argentinos, Ernesto Guevara e Alberto Granado, partiram numa viagem de estrada para descobrir a verdadeira América Latina. Ernesto era jovem de 23 anos estudante de medicina especialista em leprologia, e Alberto, de 29 anos, era bio-químico. Com um romântico sentido de aventura, os dois amigos deixam os seus confortáveis ambientes familiares em Buenos Aires em cima da motocicleta de Alberto, uma 1939 Norton 500, que recebeu a alcunha "La Poderosa".

Embora a mota se avarie durante a sua jornada, eles continuam com recurso à boleia. Á medida que se afastam cada vez mais da familiar e confortável Buenos Aires, os dois amigos começam a conhecer uma diferente América Latina, através das pessoas que encontram na estrada, ao mesmo tempo que a variada geografia que encontram, de montanhas a desertos, de complacentes ricos a pessoas de pobreza extrema, começa a reflectir as suas próprias perspectivas em mudança. De mineiros sem casa a prostitutas de barco, de vítimas de lepra a pessoas prósperas, Ernesto e Alberto descobrem uma afinidade para a humanidade neles, e uma determinação para mudar o mundo. Durante a viagem de 8 meses e 10 mil quilómetros, partindo da Argentina, seguindo através dos Andes para o Chile, passando pelo deserto de Atacama para o Peru, em direcção a uma colónia de leprosos, até chegar à Venezuela, eles sobem às alturas de Machu Picchu, onde as majestosas ruínas e o extraordinário significado da herança Inca, destruída pelos invasores espanhóis, lhes causa um profundo impacto. Quando chegam à colónia de lepra de San Pablo, localizada nas profundezas da Amazónia peruana, os dois jovens começam a questionar o valor do progresso que é definido por sistemas económicos que deixam tantas pessoas na pobreza extrema e as oprime. As suas experiências na colónia despertam neles os homens que eles irão tornar-se mais tarde, ao definir a jornada política e ética que vão seguir nas suas vidas.

Visitaram minas de cobre, povoações indígenas e leprosarias, interagindo com a população, especialmente os mais pobres. Observaram, interessaram-se por tudo, analisaram a realidade com olho crítico e pensamento profundo. Os oito meses dessa viagem marcaram as suas vidas. Saíram dessa viagem chocados com a pobreza e a injustiça social que encontraram ao longo do caminho e identificaram-se com a luta dos camponeses por uma vida melhor. Foi por causa da visão de tanta miséria e impotência e das lutas e sofrimentos que presenciaram que concluiram que a única maneira de acabar com todas as desigualdades sociais era promovendo mudanças na política administrativa mundial. O confronto com a realidade social e política da América Latina alterou, assim, a sua percepção que tinha do mundo, despertando novas vocações, associadas ao desejo de justiça social.

CHE GUEVARA EM MIM...???

Sinto que tenho dentro de mim um bocadinho de Che Guevara. Sou Assistente Social de profissão. E o desejo de justiça social no mundo actual impera quando viajo e me deparo com situações extremas. O "outro" por mais inútil que seja, tem sempre valor e dignidade pessoal. Há que defender. Há que olhar. Há que ser irreverente. Basta de indiferença, desrespeito pelo valor da vida de cada ser humano. Cada um é único e irrepetível. Ninguém se substitui por ninguém, pois cada ser humano é simplesmente único. E por ser único tem um valor inestimável.

Dizia Che Guevara: "Vale milhões de vezes mais a vida de um único ser humano do que todas as propriedades do homem mais rico da terra". Defender o Ser e não e Ter, é verdadeiramente urgente!

Mas que fazer quando vimos diáriamente situações de injustiça social? Quando ninguém defende um verdadeiro sistema nacional de saúde ou, simplesmente, uma educação para todos? O que fazer perante situções de solidão afectiva que encontramos vivamente nas nossas grandes cidades? Que fazer perante infâncias roubadas e não vividas? Que fazer para melhorar a comunidade, a cidade, o país e o mundo onde vivemos?

"Estar Atento", talvez seja a resposta. A atenção impele-nos a estar mais "conscientes", que por sua vez leva-nos a sermos "activos" e "verdadeiramente responsáveis" pelos outros e pelo mundo, e a não ficarmos indiferentes perante situações de violação dos direitos humanos.

O acto de viajarmos permite-nos questionar. Se tivermos atentos, receptivos e abertos ao mundo, fácilmente percebemos que vivemos de forma interdependente uns com os outros. Para lá dos preconceitos de raça, cor, religião, filosofia, partido político, orientação sexual, cultura, hábitos ou qualquer outro, descobrir no outro aquilo que eu sou é verdadeiramente único. É uma sensação de que "tu" fazes parte de "mim", e que por isso "sou responsável por ti"... Ter a responsabilidade pela vida dos outros e pela vida do mundo, é sentir-se a viver numa família global. Quem descobre este sentimento de cumplicidade, percebe que o mundo não é para turistas. O mundo é para viajantes!

* "Deixa o mundo mudar-te, e podes mudar o mundo" * “Se você treme de indignação perante a uma injustiça cometida a qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, então somos companheiros.”

Che Guevara

20.11.07

17.11.07

Lago Di Como: O 3º Maior Lago de Itália

Lago Di Como é o terceiro maior lago da Itália. Com uma profundidade máxima de 410 metros é um dos mais profundos lagos da Europa.
Estou em Milão. "E porque não percorrer alguns kilómetros para visitarmos a pequena aldeia de Como?" Sim, esta foi, certamente, uma boa ideia do grupo. Uma hora de comboio de Milão até Como para podermos vislumbrar um cantinho do mundo tão especial. O Lago di Como é circundado por montanhas altas acima de 2.000 m de altura e por serras baixas bastante arborizadas. As cidades maiores concentram-se nos vales mais largos de clima ameno e nas planícies ao redor do lago.
Está a nevar. Sinto-me congelado, apesar dos pesados cachecois, luvas, gorros e casacos apertados que trazemos connosco. A sensação de olhar para parte um lago extenso desta natureza é, sem dúvida, de encanto e beleza. A neve que cobre parte da paisagem é capaz de torná-la ainda mais bela. Sinto-me um previligiado. Sorrio. Abro os braços para o mundo e dou por mim, com um ligeiro sorriso nos lábios, a inspirar profundamente este ar gélido, de olhos fechados.
Não temos muito tempo. Ainda hoje mesmo temos de retornar a Milão, antes que anoiteça, porque as famílias de acolhimento, onde estamos instalados, estão à nossa espera, ansiosas para conversar connosco sobre o dia de hoje... por isso, partimos à aventura o quanto antes. O que queríamos mesmo? Observar o Lago do cima das montanhas. Lá bem do alto, e perceber a imensidão do mundo. Encontrámos o Funicolari, o elevador que nos levaria até lá, à "Comune Di Brunati", uma província de Como, constituída por apenas 1727 habitantes locais, cuja tradução literal significa "monte a oriente".
Esperámos um pouco até chegar a nossa vez. Enquanto isso, deu-nos completamente para aparvalhar. Fizémos uma roda e revivemos jogos infantis de tempos aureos. (Acho que o frio faz destas coisas...LOL)... Lá vem ele... é o nosso. Entrámos, sentámo-nos, e esperámos que partisse então, e que nos levasse a uma visão deslumbrante. Connosco vêm também duas amigas Letãs que entretanto fizémos no percurso do comboio. Acham a pronuncia do Português estranha... e nós... a delas! Enfim... culturas diferentes!
Á medida que o Funicolari avança, começa também a nevar. Cada vez mais. Mas ao contrário da chuva, a neve é silenciosa. Estamos todos também em silêncio. E no silêncio apenas contemplamos a beleza da natureza. É uma sensação única, sem dúvida. Mas guardo-a dentro dos meus registos sensoriais. E esta memória ninguém apagará.
Dentro de um funicolari a observar a neve lá fora, apreciando a paisagem cada vez mais do alto. Não está muito nevoeiro, por isso, conseguimos ver bem a extensão de água que está lá em baixo. As casas torna-se cada vez mais pequeninas. Tudo se resumie a uma pequena aldeia cheia de pequenas casas, com telhados pintados de branco da neve, e ruas cobertas por ela. O frio entranha-se cada vez mais, e a chagada ao destino faz-se com 6 graus negativos.
Andámos pelas ruas de Brunati, a apreciar a sua simplicidade. Perdidos. Apenas nós. Ninguém mais se passeava pelas ruas. Subimos falésias, descemos outras. Sentámos-nos por momentos em lugares próprios para se apreciar vistas grandiosas que nos preenchem a alma; que nos revigoram e que nos deixam a pensar no valor da Vida! "Aqui estou eeeuuuu" - apetece-me gritar. Mas não consigo soltar um único gemido. Enrolei o cachecol por toda a cabeça. Apenas se vêm os olhos. Agora sei o que é ter uma "burca"... mas fria!!! LOLOL... Obviamente que ninguém aguenta isto!!!! Ao fundo vimos um café. Entramos para nos aquecer um pouco, e foi tudo corrido a chocolate quente. Que sensação óptima saber que este local tem aquecimento! podemos então, por momentos, desfazer os cubos de gelo que trazemos conosco nos pés... Estamos sós neste espaço comercial. Ninguém mais. O gerente reconhece-nos como Portugueses, e por isso, quer oferecer-nos algo!!! Música Celta...
Apenas sei que foi a loucura total. Um espaço comercial por nossa conta para dançarmos que nem loucos. O gerente dançava também, e ria-se tanto, tanto, tanto... e aumentava estrondosamente o som da música cada vez mais ao perceber que estavamos extasiados com tudo aquilo. O café era todo nosso. Desviámos mesas e cadeiras. Gorros, cachecois e casacos foram postos de lado...

Lá fora continua a nevar. Faz cada vez mais frio e o dia está quase a terminar. O sol já se está a pôr. Temos de regressar. Mas a folia é mais forte do que nós. Abraçamos-nos e dançamos como queremos. Rimos da situação. Porque ela é nada mais, nada menso que hilariante. Mas faz-nos pensar que este acolhimento aqueceu-nos. Em todos os sentidos, mas principalmente, ao nível da disposição para encarar as situações da vida. Este gerente deu-nos o exemplo de rebeldia, atitude, acolhimento, integração, animação. Todos nós, também, podemos escolher as atitudes a tomar: deixar marcas nos outros, ou simplemente deixar a vida passar por nós...

3.11.07

Não Te Deixes Morrer Lentamente...

Morre lentamente
Quem não VIAJA,
Quem não LÊ,
Quem não OUVE MÚSICA,
Quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente Quem destrói seu amor próprio, Quem não se deixa ajudar. Morre lentamente Quem se transforma em escravo do hábito Repetindo todos os dias os mesmos trajecto, Quem não muda de marca, Não se arrisca a vestir uma nova cor ou Não conversa com quem não conhece. Morre lentamente Quem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções, Justamente as que resgatam o brilho dos Olhos e os corações aos tropeços. Morre lentamente Quem não vira a mesa quando está infeliz Com o seu trabalho, ou amor, Quem não arrisca o certo pelo incerto Para ir atrás de um sonho, Quem não se permite, pelo menos uma vez na vida, Fugir dos conselhos sensatos... Vive hoje ! Arrisca hoje ! Faz hoje ! Não te deixes morrer lentamente!
Pablo Neruda, poeta chileno, considerado um dos mais importantes literatos do século XX. A sua obra é lírica, plena de emoção e marcada por um acentuado humanismo. É, certamente, um verdadeiro sábio. Assim como ele sei, também, que morre, lentamente, quem não vive e não se atreve. Morre quem se deixa levar e quem não se questiona. Quem não muda, quem não inova, quem não diz "não" e vive serenamente o "sim". Quem não ultrapassa os limites apesar de todos os receios. Quem não vai e parte apesar de saber que pode ser loucura. Quem não conquista. Quem não perde. Quem não renega ao certo para partir em busca do incerto. Simplesmente, apenas quem não sonha é quem não vive...

31.10.07

VII - Olhares e Paisagens de Desesperança

Tem chovido imenso nos últimos dias mas aqui em Granada. Mas no norte do pais a situação é alarmante. Já morreram várias pessoas. Há mais de 100 desaparecidos e muitas aldeias estão destruídas assim como campos de cultivo. Há mais de 10.000 pessoas que ficaram desalojadas. Mas aqui na minha cidade está tudo tranquilo (...)
De autocarro passamos por zonas inundadas. Da estrada dá para ver as casas com água até meia altura e as pessoas sentadas nas janelas à espera...nem sei do quê... se de auxilio se de milagres...O autocarro consegue cruzar a estrada, embora a água entre pelo fundo do autocarro e molhe os pés. O panorama q se vê da janela è desolador...campos destruídos, casas cobertas de água...e as pessoas nas margens, já resignadas a uma terra impiedosa, mas q è a sua terra e tudo o q no Mundo conhecem... Mais à frente na estrada, mais uma situação de partir o coração. Aí não havia cheias mas a chuva tinha aberto vários buracos na estrada. Vários miúdos vão atirando areia ou terra para os buracos quando veêm um carro ao longe e depois põem o indicador em riste, a pedir um cordoba pelo seu trabalho...Vi uma menina, que não teria mais que 3 anos, a acartar terra com as suas mãozinhas para um buraco e depois a pedir a esmola na berma da estrada... Senti-me impotente, a vontade de querer ajudar e não o poder fazer...acho que a imagem daquela menina me irá perseguir eternamente...
Chegamos a Manàgua com pouca disposição para ir ao cinema. Damos uma volta no centro comercial, ao nível dos melhores da Europa, onde constato a disparidade que é este pais. Os preços estão todos em dólares e são altíssimos, considerando que um salário normal é de 1400 cordobas (65 euros +-) e que uma vacina custa 500 cordobas... Ainda assim, baratos para mim, europeu (nao se aceitam pedidos). Regressámos a Granada, no mais apinhado autocarro... capacidade para transportar 12 passageiros mas levava 28!!!!!!!!!!!! Como? De pé, ao colo, agachados debaixo do porta-luvas.... Esta semana tem decorrido tranquila, com muita chuva mas que não detêm a vida de continuar. Aqui quando chove as pessoas continuam a fazer a sua vidinha normal, só que molhadas. Eu também já faço o mesmo...Ya soy nica...

VI - Uma nova Família

Arranjei um hermanito. Chama-se Enrique, tem apenas 9 anos. Está muito atrasado para a sua idade, tem muitas dificuldades em escrever e em ler, mas é adorável. Ficou todo orgulhoso quando lhe disse que Enrique era o nome do primeiro rei do meu pais (do qual ele nunca ouviu falar). A mãe morreu e o pai foi para os Estados Unidos e nunca mais deu noticias. Vive com a avó e com uma irmã mais velha. Ensinou-me como se pesca um peixe e como cozinhá-lo e prometeu-me que vai fazer-me um almoço em sua casa (embora não me pareça que eu queira comer o que quer que seja vindo do Lago Nicarágua). Anda sempre atrás de mim e chama-me de hermano. Pediu-me para o esconder na minha mala e trazê-lo para Portugal. Mal consegui conter as lágrimas (chorei depois baba e ranho em casa), mas disse-lhe que isso era muito difícil, porque depois vinha o policia e íamos os dois presos. Ficou desanimado mas disse-lhe que podíamos tentar...Também tenho todas as miúdas apaixonadas por mim, lol!!! Entregam-me bilhetinhos no final das aulas com corações e nome delas por cima e depois, em baixo, Professor Filipe. Acho q eu fico mais atrapalhado que elas...lol
A outra novidade da semana foi que os meus gangsters trabalham num restaurante, financiado pela organização. O restaurante já existia, mas apenas abria para jantares de grupo. Agora funciona normalmente. São cozinheiros e empregados de mesa. Fui là na inauguraçao. Foi giro vê-los nervosos pois queriam impressionar. O Dennis estava tão nervoso que não sabia o q fazer às mãos e andava sempre aos pulinhos. Mas desenrascaram-se bem e cozinham mm mto bem, comi o melhor bolo de chocolate de sempre. Um misto entre chocolate e pudim, delicioso. O Juan vai ensinar-me a receita para depois eu fazer para vocês, seus alarves... até aposto que já estão todos a salivar...lol. Estes gajos são uns bacanos. Estão sempre a tentar assustar-me com as suas histórias de gangs, mas já perceberam que comigo não têm muita sorte. Um deles, outro dia deu-me um aperto de mão e depois um soco no braço. Quando o voltei a ver, dei-lhe um aperto de mão e depois apertei-lhe os tomates, mas com força ¿Y ahora càbron? Rimo-nos os dois e bebemos uma cerveja às escondidas da Lilly, a gerente do restaurante. E agora já os cumprimento a todos tal e qual como eles se cumprimentam entre si: Um aperto de mão e depois um toque com os cotovelos. Acho q fui aceite no gang...lol Enfim, uma nova família!

V - Em Léon Por Mais um Dia: Descer o Vulcão Cerro Negro

Decido ficar em Léon mais um dia e subir ao Cerro Negro. Alojo-me num hotel que faz passeios ao vulcão. Na verdade, caminhadas até à cratera e, depois, deslizar desde o topo até cá abaixo numa prancha de madeira a uma velocidade de 65 km/h... Fico num dormitório por 3 dólares, tudo compartido.
Manhã seguinte, pequeno-almoço reforçado. Como o tradicional gallopinto (arroz, feijão, ovos mexidos, queijo frito, banana frita e tortilhas) para ganhar forças para a escalada. Seguimos numa carrinha de caixa aberta, todos europeus a viajarem de mochila às costas. O Isar, um holandês de 25 anos, despediu-se do trabalho e anda a viajar pela América há 6 meses. Sinto vontade de fazer o mesmo. Gosto d'esta sensação de não ter destino certo. De fazer o que me apetece. De conhecer as pessoas e de partilhar uns instantes da vida com elas. De ter tempo para apreciar a realidade. De ter tempo para me deter a ver uma flor só porque è bela... talvez que não regresse a Portugal... Estou a gostar por demais desta sensação de liberdade e de plenitude... E é engraçado como as pessoas se aproximam e partilham o que têm, ainda que pouco.
Lá seguimos viagem, pelo meio das estradas de lama. Inevitavelmente, a carrinha fica atolada. Descemos, mas não há muito que possamos fazer. Há apenas uma pá, e o motorista lá se vai esforçando para desatolar o carro. Nada. Aparece ajuda. Uns rapazes munidos de pás lá se enfiam na lama e ajudam a retirar o carro. Pensei que fossem cobrar pelo "serviço" mas não. Simplesmente foram prestáveis.
A primeira visão do Cerro Negro è impressionante!! É o mais jovem vulcão do continente, com apenas 157 anos. Um dia, simplesmente, surgiu do nada. Mas é muito violento. Na sua última erupção, em 2002, cobriu a cidade de Lèon com areia negra durante vários dias. O vulcão é todo preto. Areia e rochas. Só tem vegetação até à base. É um contraste abissal. Verdura e logo a seguir apenas areia negra, não há zona de transição. Iniciamos a caminhada, já com as pranchas na mão. A subida é mais ou menos fácil, se bem que algo instável. Começa a chover e não temos onde nos abrigar. Felizmente, a típica chuvada tropical. Uns minutos de dilúvio mas que pára num instante. Claro que estar na encosta de um vulcão a chover torrencialmente faz disparar a adrenalina. Chegamos ao cume. Fantàstico!!!!!!!!!!! Vê-se os gases a sair da cratera e o cheiro a enxofre è intenso. Não nos podemos deter muito pois a tempestade aproxima-se. A vista desde o cume è arrebatadora. Vê-se apenas floresta verde e muitos outros vulcões. Depois vejo a encosta que vou descer montado numa prancha. Não consigo evitar de pensar que estou a pagar 20 dólares para me matar. Foi um pouco assustador ver a base do vulcão taaaaaaaaaaaaaooooooooooooo lá em baixo e ver as arcaicas pranchas onde estava prestes a deslizar. Enfim...obviamente que o fiz, indo pelo troço onde se consegue atingir a velocidade máxima... claro, se é pra morrer que seja em estilo, lol...
A sensação é fantástica. Deslizei muito rápido e só me espalhei já na recta final... Fiquei todo coberto de areia e com um gosto muito estranho na boca. Todos chegaram bem, incluindo Bagel, "the vulcanic dog" da guia. No caminho de volta ao hotel, apanhámos a tempestade. Carrinha de caixa aberta sem protecção. Mas foi giro irmos todos a conversar encharcadíssimos. Volto ao hotel, já não posso tomar banho, a menos q queira pagar outra noite (não!!!). Regresso a Granada completamente partido, todo sujo, mas feliz e entusiasmado com as aventuras que vivi.

IV - Com a Freira ao Colo

"No fim-de-semana da outra semana acabei por ir sozinho até Las Peñitas, um vilarejo na costa do Pacífico. Mochila ás costas. Ansioso por empreender uma travessia destas. Atravessar metade de um país desconhecido. Acordo cedo. Faço a mala e preparo-me para rumar ao desconhecido. A aventura começa logo aqui na minha cidade, Granada.
Apanho um autocarro pra Manágua, que já estava a abarrotar. Sentei-me numa espécie de encosto (não consigo explicar bem) que vai por cima do motor. O desconforto já era muito mas o pior ainda estava para vir. Á saída de Granada entraram mais pessoas no autocarro. Entre elas, uma idosa freira. Como bom moçinho que sou, pergunto á Irmã se se quer sentar. Diz-me q sim e agradece. E aqui deve ter havido alguma falha de comunicação que me escapou. É certo q não me levantei logo pois o autocarro estava aos solavancos, e então a freira sentou-se ao meu colo!!!!!!!!!! Fiquei sem reacção... Mentalmente ia elaborando uma forma de lhe dizer que não era para se sentar ao meu colo mas deixei passar os instantes de resposta e acabei por me resignar a levar a Irmã ao colo até Manágua (1 hora de viagem). Quando eu pensava q a viagem já não poderia piorar, eis que a meio do caminho entra uma senhora com uma menina pela mão e um bebé ao colo (pequeno aparte: Não há lugares reservados e os nicaraguenses também não são muito sensíveis...). Eu compreendo q a freirinha só queria ajudar mas podia lembrar-se q também ela já ia ao colo... Portanto, a freira ofereceu-se para segurar o bebé da senhora. Resumindo, a freira ia ao meu colo e ela, por sua vez, levava um bebé ao colo!!!!!!!!!!!! Bizarro?? Não, apenas a realidade nicaraguense...
(...) Lá chego a Léon que, para além de Granada, é a única cidade imponente da Nicarágua. O terminal de autocarros é no meio do mercado. O maior caos possível e imaginário. De tudo à venda. Sou constantemente abordado por vendedoras. "Qué buscas mi amor?" Digo que nada e apenas pergunto o caminho para catedral. Todos em Granada me tinham dito para apanhar táxi, mas prefiro caminhar pelas ruas da cidade e misturar-me com as gentes da terra. Um gajo oferece-se para me acompanhar à catedral. Fico um pco receoso, o que será que este gajo quer? Mas lá o deixo acompanhar-me. Talvez que percebendo o meu receio, mostra-me a sua identificação. Juan Carlos Reyes, tenente do exército da Nicarágua. Fico mais tranquilo. Se bem que se a seguranca da Nicarágua depender de meias-lecas como o Juan, mais vale renderem-se logo...lol
Juan acaba por ser o meu guia por Léon. Leva-me à catedral, impressionante na sua gigante fachada barroca, e às muitas igrejas da cidade. Algumas delas ainda exibem as feridas que a violenta guerra civil deixou. Aliás, Léon foi das cidades mais sacrificadas pela guerra... Vejo muitos murais pelas ruas da cidade, todos recordando os mortos e a constante luta pela liberdade e sobrevivência q este pais travou. E ainda trava.
Lá paramos numa tasca. Pago-lhe uma cerveja e dou-lhe alguns cigarros. O Juan fala-me dele. É apenas dois anos mais velho do que eu (tem, portanto, 27 anos) mas parece ter 40. Um rosto que não sorri e um olhar parado. Fala-me do seu irmão, assassinado durante um assalto na Guatemala, para onde tinha ido em busca de melhor sorte. Ou do seu melhor amigo de infância que morreu soterrado num desabamento de terras q engoliu a sua aldeia. Ou de um outro amigo do exército, que se deixou vencer pelas drogas e acabou morto numa rixa entre traficantes. Uma realidade que toca a todos neste pais desgraçado. A Nicarágua é dos países do Mundo com mais catástrofes naturais. Terramotos. Cheias. Desabamentos de terra. Furacões. Vulcões. Não é de admirar a pobreza... Uma estranha dualidade da Mãe Natureza, pois o pais é lindo!!
Juan leva-me até ao autocarro para Las Peñitas. Na despedida pergunta-me se lhe posso fazer um favor. Pergunto-lhe o quê. A custo, pede-me 20 cordobas (menos de um euro). Pergunto-lhe para que quer o dinheiro. Diz-me que é para uma coisa. Insisto e pergunto-lhe q coisa. Baixa os olhos e, envergonhado, diz-me q é pra comprar um trago (rum). Lá lhe dou os 20 cordobas, sabendo que o rum será a única coisa a pôr um sorriso nos lábios de Juan.
Chego a Las Peñitas ainda perturbado com a situaçao anterior e com tudo o que vou vendo por aqui... "

III - Os Sonhos Conseguimo-los Nós: Basta Partir para Viver

Anseio por saber noticias tuas, amigo Filipe. Perceber a importância de toda esta loucura de deixares o emprego durante 2 meses para poderes partir livremente para onde és realmente importante, e experenciar uma “loucura” como tantos chamariam. Eu digo antes “Vida”. O que estás a viver, é sem dúvida, experenciar a vida na sua mais plenitude: a entrega incondicional aos outros.
Cheguei a casa. Abri o mail. Vi novidade fresquinhas da Nicarágua. E ao ler o que escreveste, fizeste-me reviver momentos anteriores de uma experiência idêntica. Para que todos os que lêm este Blog, entendam, verdadeiramente, o significado das palavras “Atreve-te a Viver”, deixo aqui o teu mail, para que neles possa, também, ser despertar o bichinho de conhecer o mundo…
“Longe do que tenho como garantido, e perceber q tenho tudo para ser feliz. Perceber como em Portugal tenho uma vida cheia de possibilidades e opções, que posso escolher o que fazer... Precisava, realmente, disto. De conhecer uma realidade diferente para perceber que posso comandar a minha vida, que tenho os instrumentos para construí-la.
Tenho crescido mais nos últimos dias aqui do que em muitos anos em Portugal. Aos poucos vou-me apercebendo que o que é de facto importante reside dentro de mim. Gostei de fazer anos aqui e de perceber que aos 25 anos ainda sou um puto rebelde que não se acostumou à vidinha banal.
Também percebi que nunca vou ser o que o comum dos mortais chama de "estar bem na vida". Nunca ambicionei muito dinheiro e agora ainda ambiciono-o menos. Ambiciono mais. Ambiciono o Mundo. Quero conhecer mais, aprender mais e de sentir mais. Quero estar no momento. Quero conseguir sentir o pulsar da Terra dentro do meu coração (sim, eu sei que pareço um pouco tonto, mas acho que os 40 graus de temperatura começam a afectar-me...lol). Ainda quero fazer muitas "loucuras" como esta.Estou feliz por ter feito esta jornada. Por ter desafiado os meus limites. Por ter ousado ir mais além e conseguir superar o que pensava que não ia conseguir. O por testar-me e ter passado no teste. O aprender a gostar de mim próprio (sem narcisismos).
Estou feliz e tranquilo. Uma tranquilidade que já não sentia há muito.Entretanto, no meu dia de anos, aconteceu o que eu jà esperava. Era inevitável. Muitos amigos tinham-me advertido para esta possibilidade. Que me acautelasse e tivesse cuidado. Sabia que havia de acontecer e, no fundo, até queria q acontecesse. Experimentar. Sem dramas. Só a realidade nua e crua. E assim foi... Partilhei o banco do autocarro com duas GALINHAS. VIVAS!!!!! Foi assustador, ainda mais quando se tem medo de aves. Mas pronto, sobrevivi. Aliás todos os dias, quando me vou deitar, agradeço o facto de ainda estar vivo, pois cada dia é uma aventura.
Os autocarros, por exemplo, não têm números nem há horários. Um gajo chega ao terminal e espera...e espera… e continua a esperar... existe um gajo q vai gritando o destino à porta e o autocarro só parte quando está cheio, de pessoas ou de animais...e esse gajo vai no autocarro o caminho todo a gritar o destino. Também não existem paragens. Entra-se e saia-se onde se quer. Os autocarros não tem um número de identificação. Tem nomes, como “Jesus è amor”, “Jesus é o Salvador”, “Ojos de mi padre”, “Yo e a Abuelita”. Têm cruzes e santos e velas e posters de senhoras com muito pouca roupa na janela e no tablier... Só mm visto…
Ontem, por exemplo, foi passear pelas isletas do lago Nicaragua. Um passeio de lancha lindo, andar de barco por entre os pantanos e ver a fauna e flora tropicais...isto é lindo. E acabei por cometer mais uma loucura... Atirei-me do barco e nadei no lago. Resta dizer que o lago tem tubarões (esta ligado ao Atlântico através do Rio San Juan) e é bastante poluído. Mas não quis saber... só se vive uma vez. Acho que os outros voluntários pensam que eu sou doido, pois sou o único que vai a pé pró Bairro, todos os outros vão de taxi, porque é muito perigoso e o esgoto corre a céu aberto. Também sou o único que dedico todo o tempo ao projecto, enquanto eles passam o tempo na internet e nos bares dos gringos. Eu prefiro ir ás tascas dos nicas e falar com os locais ou então sentar-me ao lado de um vendedor de rua e conhecer as suas histórias e a realidade deste país.
Ontem à tarde fomos com os putos ao parque de diversões. Existem vários aqui em Granada mas estes miúdos nunca lá vão. Os pais estão demasiado drogados ou bêbados para os levarem. Ri-me, genuinamente, como não me ria há muito. A alegria deles por verem um baloiço e um escorrega. Por poderem brincar á vontade, por poderem, nem que por poucos momentos, serem umas crianças felizes a brincar no parque em vez de brincarem no esgoto como habitualmente. Até eu andei de baloiço, empurrado por 3 dos miúdos.
À noite é que temi, a sério, pela minha vida. Nos últimos dias tem chovido imenso. Horas e horas a fio a chover. Não há escoamento na cidade, pelo que as ruas ficam logo alagadas. Água acima dos tornozelos. Mas á noite parou de chover e então decidimos (eu, a Isa e a Sofia, portuguesas, e o Juan, nica) ir até Masaya, uma cidade perto daqui, para umas festas tradicionais. Decidimos ir de táxi. Enquanto esperávamos o taxi ouvimos um barulho assustador, como nunca tinha ouvido. Um Tornado q passou pela praia mas que, felizmente, não causou muitos danos. Estávamos no táxi há uns 2 minutos quando começa a chover como nunca tinha visto. As escovas do carro não davam vazão à quantidade de agua. As estradas da Nicarágua são, basicamente, crateras enormes com pedaços ocasionais de alcatrão. Também não são iluminadas. O motorista seguia a grande velocidade, com a música a bombar, um cigarro numa mão e o telemóvel na outra. Queria gritar-lhe que abrandasse mas acho que estava paralisado de medo. Íamos batendo por 3 vezes noutros carros e quase que bateu numa casa porque não a viu... Mas lá sobrevivemos à viagem e assistimos ás festas típicas aqui da terrinha.
Muita salsa, muita, muita… Parece que já nascem a dançar estes gajos. Ainda me aventurei a dançar com a Isa e depois com uma nativa mas não correu lá muito bem. Felizmente tinha parado de chover no regresso.
Resta dizer que já fiz um amigo muito especial por aqui... É negro, de olhos verdes lindos. Ao início não lhe liguei muito mas as suas constantes investidas acabaram por me seduzir. Adora os meus mimos. Arranjei um cabrão de um gato abandonado, cheio de pulgas e carraças!!!!!!!! Mas não resisti. Anda sempre lá pelo jardim de casa a pedinchar comida. A Sofia nem sonha que eu lhe dou comida quando ela não está. E que lhe dou mimos e banho. Eu, que detesto gatos, a cuidar de um... o calor afecta, de facto, as pessoas... hehehehe.
Um forte abraço, a transbordar de saudades, Filipe (ou Professor Che, pois estou com uma barba descomunal mas que protege dos mosquitos)…”

II - Percorrer o Fim do Mundo na Nicarágua

“Olá Nélson!!!!!!!!!!!!!!!Adorei ouvir a tua voz hoje. É sempre bom ouvir a voz de um amigo quando se está tão longe de casa. Isto está a ser uma experiência alucinante. A realidade é outra!!!!!!!!” – Dizes-me tu num e-mail que me enviaste de terras longínquas, dias após ter-me despedido de ti ao aeroporto, e de, conjuntamente com a minha prima, te termos surpreendido com a música “Um Amigo”, em amena guitarrada mesmo antes de partires. Estavas tão nervoso! Afinal… encontrar um caminho a seguir tem disto mesmo. Não é fácil. E contêm muitas decisões, angustia, medo, perdas…
Continuas tu no e-mail:“A cidade de Granada é fantástica, linda, verdadeiramente colonial, com imensas igrejas e casas coloridas. Muitos restaurantes, bares e cyber cafés compõem o ramalhete. Calor intolerável e imensos mosquitos. Hoje foi dia de cortarem a água, ainda nem tomei banho... mas estou a adorar!!!!!!!!!!!

Hoje foi o primeiro dia de aulas. Foi muito engraçado dar aulas aos putos. São muito pobres e não podem frequentar a escola, por isso, a “Escolita Yo Puedo” é a única alternativa para terem alguma educação. Há miúdos de várias idades, mas são todos muito pequenos devido à deficiente alimentação. Hoje ri-me como já não me ria há imenso tempo. Ri-me da inocencia destes putos, ri-me de jogar á apanhada com eles. Os putos chamam-me de Professor Che (de Guevara) por causa da minha barba, lololololol. Mas os sorrisos e os olhares dos miúdos fazem-me esquecer a tormentosa viagem que tive...sinto-me tranquilo como já não me sentia há muito tempo.

De alguma forma, isto acaba por fazer sentido, por tornar real o que eu sempre defendi em palavras. Sempre achei que devemos fazer algo para ajudar, que está nas nossas mãos poder tornar o Mundo num lugar melhor. E agora, sinto que estou, realmente, a dar de mim aos outros, a dar a minha pequena contribuição. Talvez que não vá alterar o destino destas crianças. Talvez que caiam nas drogas e na extrema pobreza como a maioria dos adolescentes daqui, q não tem grande futuro. Mas, pelo menos, vão poder sonhar porque alguém acreditou nelas. Vão poder sentir esperança porque alguém não desistiu delas e mostrou-lhes alternativas... e fico muito feliz por ser esse alguém.

Obrigado por tudo Nélson, por me teres apontado o caminho...por teres aparecido na hora certa e iluminares a minha vida. Ainda tenho no meu telemóvel o teu sms "Estarei sempre aqui para te apoiar naquilo q precisares: Faz como o feiticeiro de Oz, que depois de se encontrar a si próprio, partiu no seu caminho... www.buildingnewhope.org - Manágua, Nicarágua" e realmente, tens estado... Ajudaste-me a encontrar o caminho…Lembro-me tão bem como tudo começou. Lembro-me daquela tarde no Campo Pequeno, em que falámos durante horas sobre a vida, sobre medos e sobre partilha. Nessa tarde decidi fazer esta viagem. Decidi q iria lutar pelos ideais em que acredito. E estou feliz por aqui estar. Obrigado por tudo, Nélson. Por todo amor que me deste e que me dás. Obrigado por me teres acordado, por me teres desperto para o que é importante. A amizade não cobra favores mas sinto-me em divida para contigo. Deste-me mais do que eu poderia imaginar. Sinto-me a renascer, cada vez mais desperto para o q na vida é importante.

Tenho saudades tuas, gostava de partilhar, ao vivo e a cores toda esta experiência contigo. Filipe.”Hoje choro emocionado ao ler o teu e-mail, porque também hoje compreendo que por mais pequenos gestos que temos para com os outros, isso poderá marcar, sem se quer notarmos. Sei que tudo aquilo que partilhámos naquele dia, foi sem dúvida o despoletar para a Vida!!!! Aproveita-a… e agarra-a com toda a força. Não a deixes fugir…. Estarei sempre contigo! Força!

17.10.07

I - Nicarágua: O Início de Uma Grande Viagem de Descobertas

É Primavera. Mas continua o frio, e hoje mais do que o normal. Lembro-me desse dia. Do dia de início de uma longa viagem interna, que culminou com a partida para Manágua, capital da Nicarágua, numa longa viagem externa, de 2 meses!!! Sento-me num banco do jardim, com o André Filipe, amigo do peito, ali mesmo em frente ao Campo Pequeno. Podíamos ter entrado para a superfície comercial. Mas preferimos ficar ali. Na rua. Nos bancos, onde vislumbrávamos carros num vai-vem doido, onde pessoas corriam de um lado para o outro, num sentimento frenético. Sorrisos zero. Também elas estavam frias assim como o tempo… E ali permanecemos horas, a conversar, sem que déssemos por isso. E anoiteceu por ali… E do que falámos nós? Simplesmente da vida! Dos sonhos. Daquilo que, realmente, queremos e que nos faz feliz. Daquilo que sempre sonhámos mas que nunca ousámos concretizar por medo, receio, ou simplesmente, porque nunca chegámos a parar, de certo modo, para pensar nisto mesmo. Porque temos medo, ou porque os outros resistem a qualquer mudança nossa e, certamente, vão achar que estamos loucos, ou que então não estamos a passar “uma boa fase na nossa vida”. E assim, perdemos o mundo… e deixamos de viver e de vivê-lo. Deixamos de sentir o sabor a liberdade, de sentir o sangue a correr nas veias, de sentir a adrenalina de sabermos que é esse o caminho que queremos trilhar. E aos poucos e poucos, se não nos determos, vamos deixando de viver. E vivemos apenas de acordo com o que a sociedade quer que vivamos… somente isso. Lembro-me, nesse dia, da rebelião de sentimentos em que te encontravas. Um pouco perdido, senti eu. Não sabias ao certo o que te dava prazer, onde querias estar, ou para onde querias ir… O trabalho não era certamente. A vidinha mais ou menos de todos os fins-de-semana ir para o bairro alto e beber uns copos, e de saber que na semana a seguir se iria passar o mesmo? Detemo-nos ali a questionar em tudo e a pensar… A partir desse mesmo dia, iniciaste então uma viagem interna, que ainda hoje estás a vivê-la. Mas noutros moldes. Uma viagem mais madura, onde estás a descobrir o essencial da vida: as prioridades e os valores do mundo. E estás a descobri-lo no fim dele… através da tua entrega aos outros nos bairros degradados de Manágua. Uma experiência idêntica à que experenciei, também, no continente Sul-Americanos, mais concretamente, nas favelas do Brasil…

6.10.07

Muda o Mundo. Porque Não? A Escolha é Tua!

Viajar permite-me perceber as reais necessidades do mundo!! Quem não o faz, continua com uma venda à frente dos olhos, seguindo sempre pelo fio da vida, num limbo constante. Vive-a sem a viver, na realidade.
Viajar permite-nos questionar!!!
Só não se questiona quem não vê! Só não muda quem não se entranha na realidade! E assim, a sociedade continua a fazer de nós observadores cegos! É incrível... e faz de nós, simplesmente, aquilo que ela quer. É um jogo de poder... e uma industria organizada tem esse poder de comandar aquilo que comemos. Temos de parar esta brutalidade! Pensem naquilo que comem. Sejam unos com o Universo, a bio-diversidade, e a nossa terra mãe...
Ser-se VEGETARIANO é ser-se responsável!!! É compreender o mundo. É estar em sintonia com ele. É viver livre. É respeitar os povos com carências. É repeitar o nosso próprio corpo. É, naturalmente, viajar na e para a felicidade.

Cameron Diaz, Richard Gere, Demi Moore, Brad Pitt, Justin Timberlake, Kate Winslet, Leonardo Dicaprio, Julia Roberts, Sting, Pamela Andrerson, Paul McCartney, Kurt Cobain, Claudia Schiffer, Jerry Seinfeld, Sócrates, Henry Ford, Jack Johnson, Bryan Adams, Rainha Sofia de Espanha, Darwin, Lenny Kravitz, Platão, Prince, S. Francisco de Assis, Peter Gabriel, Isaac Newton, Leonardo Da Vinci, Albert Einstein, Pink, Pitágoras, Van Gogh, Bob Marley, Madona, Gilberto Gil, Rosseau, Voltaire, Sinead O'Connor, Rita Lee, Shanaia Twain, Brigit Bardot, Janet Jackson, Penelope Cruz, Lisa Simpson, Rodrigo Santoro, Vitoria Beckam, Bod Dylan, Tina Turner, Tom Regan, Moby ... e tantos outros... E Tu? Estás à espera de quê? Muda o Mundo. Começa por Ti!

25.9.07

Viajar é Sentir!

Viajar é Sentir!
Dentro ou fora de nós, parado ou em frenético movimento.
E o meu ideal? Baseia-se na profundidade do relacionamento, nos elos de amizade que só a permanência longa num lugar permite. Mas por enquanto, vou vivendo e viajando como posso. As fronteiras separam o que não pode estar unido, dando um peso definitivo à diferença e à identidade.
Eu, por outro lado, anseio a diferença e a identidade. É isso que me move e me faz mexer nas entranhas mais profundas. É isso que me faz conquistar mais alma, que me faz admirar os outros e desejar abraçar o mundo e senti-lo a respirar feliz...
Quem poderá dizer o contrário, de que viajar não é sentir?

Não sou aquilo que possuo, mas aquilo que vivo!

Parking Des Pêcheurs - Mónaco
Para mim, viajar é essencial. E diga-se que não é um luxo. É antes uma prioridade, pois acredito que quem não viaja é como quem não lê. Prende-se unicamente ao inicio, à leitura da primeira página, deixando por desvendar um final que dá sentido a todo um enredo, a toda uma vida. Viajar serve, essencialmente, para comparar. Descobrir o que nos separa e o que nos une como seres humanos. Visitar o Principado do Mónaco, é visitar o luxo e beleza. Estas duas palavras bastam para descrever a sua essência. Estacionamos a carrinha junto do terminal. Deixamos as bagagens no lugar, e partimos livres à descoberta do Mónaco. Sentamo-nos junto a um mural que fazia barreira para o mar, e antes de iniciarmos a aventura, alambazámo-nos com os “restos” da viagem, algumas coisas já azedadas e fora do prazo, outras que para lá caminhavam. Comi o que havia, e que saudável não era, exactamente, o termo. Mas estou vivo! Lembro-me de ver uma gaivota pousada no mural. “Que foto fantástica” – pensei eu! “E ficaria melhor se eu tivesse também na foto” – retorqui para o grupo, num discurso um pouco narcísico! Lembro-me de iniciar esta descoberta pelo Mónaco atrás de uma gaivota que fugia passo a passo sobre o mural branco, cada vez que me aproximava. Queria ficar eu e ela na foto! A primeira foto no Mónaco! Lembro-me de estar a fazer figuras perante os outros que se riam de mim, e de me tentar aproximar de forma tão lenta quanto possível daquela ave, diga-se, estúpida!!!! Ainda hoje estou para perceber como ela conseguia perceber que me estava a aproximar dela, se estava de costas? Haverá alguma parte da anatomia das aves que não me ensinaram no secundário? Já ouvi falar no 3º olho… mas em animais… duvido! Enfim… fica no entanto aqui registado a sua foto (sem mim, claro!)
Iniciámos a viagem e a descoberta do Mónaco de forma lenta. Tínhamos tempo suficiente para explorar tudo, até porque o Mónaco é um país pequeníssimo, capaz de se ver num dia! Já viram isto? Ver um país num dia!!!! Eu já o fiz, de uma ponta à outra! Passamos pelo Museu Oceanográfico para poder aceder aos Jardins “Saint-Martin”. São jardins verdes, belos e de uma vista magnífica saboreávamos o Mónaco cá do alto. Um mar azul estendia-se à nossa frente submerso em casas e empreendimentos luxuosos bem à nossa frente: “Porto de Fontvieille”. Certamente, estamos habituados a observar, em frente à porta da nossa casa, carros que nos permitem deslocar. Aqui, para se encurtar as distâncias, são meros Barcos que estão à porta de casa! “Barcos!” – é expressão à pobre! Iates é a palavra certa! E ali me detenho a contemplar este mundo à parte, de uma Europa que já se diz de 1º Mundo!
Porto Fontvieille - Mónaco
O que sinto ao ver o Mónaco é que tudo está no lugar. Tudo é luxo. Tudo é bonito. Nada está fora do lugar. Não há, os habituais, papeis e lixo no chão. Tudo está limpo e arrumado. As ruas pequenas e apertadas, mas triunfantes. Esta é a sensação de andar pelo seu meio. A Catedral e o Palácio Princier são outros dois monumentos sumptuosos, capazes de cortar a respiração a qualquer um. Dou de cara com a catedral depois de percorrer os Jardins, e ainda mais lá em cima, está a Igreja, virada para o mar. Por ali passam vários turistas. Todos tiram fotografias. Contenho-me um pouco, e após desaparecer alguns deles, lá consigo tirar uma fotografia quase sem “camones” infiltrados em fotografias desconhecidas. Percorro e visito os monumentos. Deixo-me estar. E contemplo...
Catedral - Mónaco
Por trás do Palácio há umas escadarias enormes que desço para saber onde elas me levariam. Vou dar a uma praça singela. Vende-se fruta, flores, artesanato, revistas e postais. Meto a mão ao bolso, e feito pelintra, ali mesmo, conto os trocos. Vejo como é caro cada coisa, e os meus euros quase que não chegam para pagar a despesa de 3 postais, que ainda hoje, não os coloquei no correio! O tempo foi escasso! Desculpa mãe! Apetece-me parar para comer qualquer coisa, e nesta praça almoço. Juntam-se outros comigo, e assim, partilhamos despesas. Depois de barriga cheia, também de gargalhadas, seguimos em conjunto, e percorremos a famosa “Rua Grimaldi”, que percorre toda a marina (Porto Hercule), que é tão característica. O Mónaco é uma área pequena, com cerca de 25 mil habitantes, em 1,95 km², o que não diminui sua importância. O turismo e o lazer são sua grande alavanca económica, que tem seu ápice na famosa corrida de Fórmula 1. Não poderia esquecer de citar o quanto é interessante percorrer as ruas que se tornam pistas de corrida. Passando pelo píer, subindo as encostas, atravessando o túnel e fazendo muitas voltas, o circuito não deve ser nada fácil para os pilotos. As ruas são estreitas e existem muitas subidas e curvas. A Fórmula 1 é tão marcante no Mónaco que até o Brasileiro Ayrton Senna era conhecido como Príncipe de Mónaco (sabiam desta? Aprendi no Brasil!). Actualmente, muitos artistas e personalidades internacionais possuem casas no principado. Não poderia ser diferente, já que o Mónaco alia glamour, riquezas e eventualmente, presumo, muito sexo!
SENTIMENTO DE EXCLUSÃO… Sigo em frente pela “Avenida D’Ostenle”, para poder chegar ao que ansiava: o Casino Monte Carlo! Parei ainda perto do Teatro da Princesa Grace, para poder desfrutar da bela vista que o Mónaco tem sobre a baía. Olho tudo em volta! E fecho os olhos, fazendo uma inspiração profunda, abro os braços para esta imensidão… é um verdadeiro privilégio ter estado e pisado este local. “É lindo!” – lembro-me de estar a pensar isto mesmo. É um cenário idílico, de luxo. Gente bonita pelas ruas, bem aprumados, boas casas, bons carros. Mônaco é o cenário perfeito para propaganda de automóveis. Foi onde eu vi mais Ferraris a desfilar, além de Rolls Royces, Bentleys e Maseratis, assim como motas Ducatti e Ninja super potentes. O ruído de motores já faz parte do som característico da cidade. E olhem que surpresa: os carros são, na maioria, dirigidos por mulheres! Abro novamente os olhos, e com um sorriso estampado no rosto, um iate chama-me atenção. Algo parecia-me a navio, com um helicóptero estacionado sobre ele! Dá para ter idéia do tamanho do barco...
Perante tal monstruosidade de vida olho, desgraçadamente, para mim. Agarrado a uma máquina digital emprestada, com umas botas de montanha já velhas e desgastadas na biqueira, um casaco apertado, o cabelo despenteado e a cara cheia de óleo devido às poucas horas de dormida na viagem. Uma mochila velha às costas, cujo fecho tem tendência para empanar, e um saco de plástico onde guardo os postais que comprei. Sinto-me, completamente, deslocado! Sinto-me um menino de rua, um gaiato, para quem ninguém olha, ou tem até mesmo medo de olhar. Mas, felizmente, NÃO SOU AQUILO QUE POSSUO MAS AQUILO QUE VIVO. E viajar permite-me, exactamente, isso: viver ao máximo, e conhecer novos mundos como este, totalmente contrário, ao meu, de pura simplicidade e humildade. Viajar permite-me, acima de tudo, priorizar valores, e saber o que é, realmente, importante, na minha vida. O luxo, é-me indispensável, acreditem! E aprecio bem mais um forte abraço cheio de sentimento, um jantar no chão de uma praça da cidade com amigos onde soltamos gargalhadas genuínas, uma noite a dançar loucamente até altas horas (ah, que saudades do meu Plateau), de dizer um bom dia ou uma boa noite a quem amamos, de dar um presente a um amigo sem razão aparente, de ter uma ideia genial e sonhar, de ser útil, de me dar e entregar aos outros, enfim… isto sim! Faz me mim aquilo que sou hoje…
Casino Monte Carlo - Mónaco
Chego por fim ao Casino de Monte Carlo. A dúvida assola-me. Será me que me deixarão entrar assim vestido? Eu próprio assusto-me ao olhar para mim… bem… “poderá ser impressão minha”, penso eu, numa tentativa frustrada de poder um dia conseguir entrar ali dentro. Olham-me de alto a baixo, e sinto um ligeiro sorriso para o lado direito da face do porteiro, levantando, ao mesmo tempo as sobrancelhas. Percebo imediatamente o que me quer dizer, e acaba por me dizer, de soslaio, que só poderei entrar no hall, onde também há umas pequenas e michurucas slots machines. Mesmo assim, agradeço-lhe encarecidamente, como uma criança feliz, e com um sorriso rasgado corro desalmadamente, a bater com os pés nas minhas nádegas, para as máquinas. ESTOU DENTRO DO CASINO!!!! E ali gasto os meus tostanitos. Fico feliz. Já não tenho mais dinheiro. Agora miro os outros… e lembro-me de estar a pansar “deves pensar deves”, quando uma quantidade de moedas sai dali de dento! Nem sabia que uma máquinazinha daquelas era capaz de suportar tanto peso e tanta moeda! Há que dizer que fiquei com uma pontinha de ciúme. E a sorte de principiante que tanto se fala? Bem… volto costas e continuei viagem… (obviamente que tive de tirar uma fotografia junto ao Casino, juntamente com os outros… tipo á pobre, estão a ver?)…

A ralé... armada aos cucos!

É no Casino Monte Carlo que a riqueza encontra o seu lugar. Vêem-se senhores milionários a sair com os seus carrões de luxo e a entrar no Casino. Quanto eles gastarão numa noite? É difícil imaginar, mas num lugar onde um apartamento de duas assoalhadas vale 4 milhões de euros, certamente não é pouco dinheiro que ali é colocado em jogo!!!

15.9.07

Estive na "CONA" em Ljubjana!!!

Estou em Ljubjana, capital da Eslovénia. Depois de ter passado a passagem de ano 2006/2007 na Croácia, parto então, de camioneta, em direcção à minha Lisboa, percorrendo várias cidades até lá. Atravesso a fronteira, e paro, em pleno Inverno, em Ljubjana, dia 1 de Janeiro 2007!!! Já é de noite. O autocarro estaciona ainda um pouco longe do centro da cidade. Cansado, por ser o percurso de viagem de regresso, custa-me querer ver mais uma cidade, e emaranhar-me na sua cultura. Quero antes dormir. Uma casa. A minha família. Um aconchego de uma mãe que nos prepara o nosso prato preferido após vários dias fora, e que nos faz a cama de lavado, para podermos sentir, facilmente, o cheiro a frescura, doce e suave de um, verdadeiro, amor: o de mãe.
Apesar do cansaço, do frio de rachar, e após, agasalhar-me com gorro, luvas e casaco quente, tento, já exaurido, percorrer uma nova cidade, mas sem antes me alimentar. Por isso, percorro ruas, sem ter mapas, até encontrar um local onde me sinta confortável. E encontrei! Uma pequena praça, toda iluminada com os enfeites de Natal, fazendo-me sentir um pouco todo o aconchego do natal de família que estava mesmo a precisar. Sento-me no chão junto a um canto, e ali mesmo, tiro da sacola os meus sumos, as minhas sandes vegetarianas, as frutas, e como sem pensar em nada. Ali me deixo estar, confortável, e aprecio. Vejo. Suspiro. Sinto simplesmente. E respiro o mundo.
Quero chegar até à praça central. Percorro ruas e mais ruas. Encontro outros que comigo fazem também esta viagem. Eis que se não quando, me deparo com um sinal de trânsito na rua que vai dar acesso à praça. Um sinal meio estranho. Estupefactos gargalhamos ao ler "CONA"... Será um sinal de proibido? De Obrigação... de ir à CONA? E acreditem que não sou nem estou a ser ordinário! Mas lá que nos rimos, isso é que rimos!!!
Ouvimos música vinda da praça. Com o chão meio escorregadio, por há horas atrás ter estado a chover, corro em direcção para onde todas as pessoas também se dirigem... vejo uma imensidão de gente. Pergunta: Que fazem estas pessoas dia 1 de Janeiro às tantas da manhã na rua, quando ontem é que foi a passagem de ano? Resposta estúpida imaginária: Talvez os Eslovenos só celebram a passagem de ano um dia depois de toda a gente! Não sei ao certo a resposta, mas pelo que me pude aperceber, penso que é ritual, estenderem a data de festejo por mais alguns dias.
Furo a multidão. Vou até perto do palco onde decorre um concerto, e aí, apesar do cansaço, a música consegue invadir-me e entranhar-se em mim. Salto, danço, canto. Fico rouco devido ao frio. E em alegria sincera, os "Portugas", como sempre, começaram a realizar o já habitual "comboio" de pessoas. Os Eslovenos, num desejo ardente de participarem na brincadeira, timidamente, olham-nos de soslaio. Alguns ainda se atrevem, outros permanecem no mesmo sítio: Impávidos e serenos.
"PORTUGAL"... respondemos nós quando a artista nos pergunta, directamente, de onde somos. E convida-nos então a dançarmos mais uma música. No meio de um mar de gente, olho para o lado e, inexplicavelmente, encontro um amigo de Lisboa, o qual já não via há muito tempo. Após alguns abraços (e também empurrões no meio do concerto), matamos saudades, mas minuto a minuto não nos cansávamos de exclamar: "Que coincidência! Encontrar-mo-nos na Eslovénia, num dia mais do que improvável... o primeiro dia do ano, e ainda por cima a esta hora tardia!!!". Sim... certamente se tivéssemos combinado, de certeza que não nos encontraríamos...
Já me doi tudo e mais alguma coisa. Estou de rastos, e cambaleando, percorro noctívegamente pela cidade. A cidade tem encanto. "É linda" - dou por mim a pensar. Contribuindo para tal, as luzes de natal que iluminam de forma especial os monumentos, o rio, as casas, e tudo o resto.
Sinto, verdadeiramente, Ljubjana como sendo uma cidade romântica, em que é possível, ao longo da marginal do rio, desfrutar de um belo passeio de mão dada. Vejo os outros de mãos dadas. E outros a iniciarem namoros. Olho para trás e vejo a Rita e o Guedes num encontro que não estava à espera. Fico também com vontade... mas sigo em frente, sozinho, e aprecio esta tranquilidade que esta cidade me transmite.
Sento-me na escadaria de uma das igrejas que ficam perto da praça central. Estou cansado. Ao meu lado vem também sentar-se, alguém da terra, já um pouco ao som da "copofonia". Estranho? O que quererá... penso eu. Começamos por conversar sobre a cidade. É um rapaz de 27 anos, de nome desconhecido. Comigo, permanece ali, e após um longo periodo de conversa "deita-fora", começou a surgir entre nós algumas das dúvidas, engraçadas, que sempre nos perseguiam. Anotei-as. Deixo-vos aqui algumas delas, após ter registado no meu caderno de viagens:
- Porque é que as lojas abertas 24 horas possuem fechaduras?
- Para que serve o bolso de um pijama?
- Se o Super-homem é tão inteligente, porque é que usa as cuecas fora das calças?
- Porque é que os Flinstones comemoram o Natal se eles viveram numa época anterior a de Cristo?
- Como se escreve zero em algarismos romanos?
- Porque é que as pessoas apertam o comando da televisão com mais força, quando a pilha está mais fraca?
- Como é que as placas "Proibido pisar a relva" é colocado?
Um momento bastante engraçado, e que desde já, proponho a quem conseguir desvendar alguns destes mistérios que me diga, com a maior brevidade possível. A minha saúde mental poderá estar em risco!
De facto, Ljubjana é uma cidade muito bonita. São várias as pontes que percorrem o rio Ljubljanica que banha e percorre toda a cidade, e as casas estão pintadas de várias cores, pintando de uma beleza única esta cidade.
A "ponte dos sapateiros" é a terceira passagem mais popular de Ljubljana sobre o rio. Anteriormente, esta era uma ponte de madeira, um espaço caracterizado para as oficinas dos sapateiros (daqui o nome). A ponte actual tem uma aparência distinta de todas as outras. Andei na sua plataforma e observei que dela fazem parte colunas de pilares altos, cobertos em cima com esferas de pedra. É uma das pontes mais percorridas e visitadas da cidade.
Tem, certamente, um encanto natural. Uma cidade pequena que, facilmente, aproxima e apaixona. Aproxima-nos e acolhe-nos na sua beleza e apaixona-nos porque nos emociona, e faz-nos vibrar, em nós, sensações de embalar tristezas, medos e anseios. Uma óptima cidade para desfrutar sozinho. Para pensarmos, meditarmos em novos rumos, em novos projectos, em novas prioridades, e naquilo que nos faz mover.
Estou cansado. E hoje mesmo regresso a casa. E sei que há minha espera tenho sempre alguém de braços abertos para me acolher. Mais uma viagem, e mais um "poema cantado que eu inventei" e pus a minha alma a cantar...
Castelo de Ljubjana
Rio Ljubjanica e Praça Central

10.9.07

Turismo de Montanha | Serra da Lousã: Onde os Sentidos Despertam

Este foi sem dúvida mais um fim-de-semana de riqueza turística. Partida, sexta-feira ao final do dia, após uma semana cansativa de trabalho. Local de encontro: Sete Rios. Total de Acompanhantes: 17 pessoas. Estadia: 3 dias (7 a 9 de Setembro) A Serra da Lousã fica situada no centro de Portugal. Um verdadeiro ex-libris de beleza paisagística natural, onde o verdejante e os espaços naturais se fazem presentes. Lousã, apresenta-nos a sua rusticidade própria. Faz-nos respirar diferente. Faz-nos sentir diferentes. Encanta-nos, verdadeiramente, e deixa-nos “exauridos” de tranquilidade. A noite está quente. Todos já dormem nas respectivas camaratas, depois de uma noitada de guitarrada, onde a meu pedido, se cantou exasperadamente a mesma música. Sou assim… sempre que gosto de algo novo, apaixono-me de tal modo que não me canso de ouvir ou repetir as mesmas sensações. Foi bom o momento. (os outros é que já não podiam comigo!!!)… Perante um cenário de verdadeira beleza, que é a Serra da Lousã, fico, então, com vontade de aproveitar cada momento, apesar de já ser noite. Sento-me ao ar livre com a minha prima. Há poucas luzes. Todos dormem. Não há um único barulho. Apesar do cansaço que a semana de trabalho nos proporcionou, tentamos apreciar a beleza que reside em cada coisa. E a noite tornou-se mais bela, porque surgiram confidências que nos aproximaram ainda mais na nossa amizade e irmandade. Confidências que me marcaram e que me fizeram perceber, que por trás de um lado aparente de felicidade, pode-se esconder sofrimentos e tristezas. Momentos de vida trilhados em solidão. Situações que nos deixam em becos e que marcam uma cegueira incapaz de nos deixar vislumbrar uma pontinha de luz, capaz de nos dar a direcção de um caminho a seguir, mesmo que errado. E, ás vezes, ali permanecemos à espera de resposta de alguém. De uma pequena ajuda, ou simplesmente, que alguém se dê conta que estamos numa verdadeira encruzilhada. E que nos pergunte algo. Há momentos das nossas vidas em que não sabemos que velas içar do nosso barco, porque também nós não sabemos que ventos poderão soprar: os do Norte ou os do Sul? E isto tudo porque, não sabemos para que porto seguro nos dirigir. Um barco sem porto, não sabe o que são ventos a favor nem ventos contra. Anda simplesmente à deriva… Terminámos de conversar eram já próximo das 4 da manhã. Os outros continuam a dormir. Entramos na camarata e sem fazer barulho vamo-nos deitar. Ouvimos uns barulhos estranhos. Meu Deus! Alguém está em festa!... em festa intestinal. Rirmo-nos contidamente para não acordar ninguém. E para estar completo o ramalhete faltava apenas alguém tocar castanholas e bater palmas, porque o resto da sonoridade era idêntica a qualquer música popular portuguesa… Subo para a parte de cima do beliche. Ponho o despertador e adormeço logo de seguida. O despertador toca. Já é de manhã. Ainda meio ensonado, sentimos que estamos diferentes. Mas não sabemos em quê. Descobrimos quando nos olhamos ao espelho da casa de banho. Estamos inchados das picadas das Melgas! Esquecemo-nos de colocar repelente e hoje sim, sentimo-nos, uns verdadeiros monstros de Notre-Dame ou do Lago de Loch Ness… É fim de semana… mas mesmo assim, a “Isabel estecada”, como lhe chamamos, faz jus ao nome, e estica os lençóis da sua cama até à exaustão, repuxando-os com galga e força. A cama fica IMPECÁVELMENTE feita. “É fim-de-semana” – dissemos nós. “Não te preocupes com isso”. E rimos e gozamos com ela. “É estecada, o que é que se há-de fazer”… Emaranhamo-nos pela Lousã. Por entre aldeias serranas (Beiçudos, Fonte da Pulga entre outras) descortinamos paisagens magnânimes. Acabámos por desembocar nas Ermidas de Nª Sª da Piedade, onde aí permanecemos durante toda a manhã. É um local mágico, localizado no centro de alguns vales e montanhas, cujas várias tonalidades de verde, fazem do local, um tesouro turístico. O rio límpido corre devagar por entre rochas de Xisto. Todo aquele lugar está desenhado com pedras xistosas, castanhas, lisas, reluzentes e que formam uma pequena piscina fluvial. A Ermida tem um enquadramento harmonioso de património edificado: rio e floresta. O recanto das piscinas é abraçado pela serra por todos os lados. Mais do que um vale é quase uma "cova" de verde cavada na encosta da montanha. A água está gélida, mas mesmo assim, aventurámo-nos em banhocas gostosas, depois de molharmos, primeiramente, o dedo grande do pé, para testar a temperatura da água. Se ficarmos em silêncio, ouvimos o som da água em pequenas cascatas que chega até nós. Se fecharmos os olhos, sentimos o cheiro a pureza, de uma realidade contrastante com a da cidade. Olho para o rio e vejo as pedras no seu fundo. O manto verde respira uma aragem fresca que torna agradável a permanência no local.
Acabo por tomar um café junto ao rio, e enquanto observo as brincadeiras de parte do grupo, dentro da piscina, lembro-me de estar pensar, no quão é importante vivermos intensamente a vida. Todos estes momentos. Há que viver. É tempo. E ele urge… Música Celta… ouvi algures. Fiquei atento. Ela aproximava-se. Fomos ao encontro dela. Um grupo de um rancho folclore, composto unicamente por homens, senhores já de uma certa idade, passeavam-se pelas ruas a tocar. Com tambores, rufos, e gaita de foles juntámo-nos à folia da festa, e ali mesmo, no meio da Serra, tivemos um Workshop de Gaita de Foles. “Tens de colocar esta parte debaixo do braço, agora isto colocas na boca e assopras, controlas o ar com o braço e tocas nesta outra parte como se fosse uma flauta”. Uma explicação simples, na verdade. Mas que concretamente, na prática, foi desastrosa, capaz de colocar todos aqueles que nos estavam a ver a rir desalmadamente. O som que unicamente conseguia que saísse era um som que se assemelhava ao de bufas esvaídas que sem força vão saindo… tentei uma e outra vez. Mas por fim desisti. Devolvi o pertence de foles ao dono, e com a música “os peitos da cabritinha” do Brejeiro Quim Barreiros, foram-se embora. Música Celta? Onde está a parecença? Bem… talvez tenha sido eu que tenha ouvido mal… Da parte de tarde emaranhámo-nos ainda mais na luxuriante vegetação. Inicialmente estava previsto um percurso pedestre de 10km… Alguns partiram, e conseguiram realizá-los. Preferi, à última da hora, algo mais ligeiro, e para mim, com mais significado. Juntamente com a Vanda e a Rita, percorremos menos quilómetros, sem dúvida. Mas o sabor desta caminhada não esquecerei jamais… Sem pressas fomos caminhando e apreciando cada recanto. Ao subirmos encostas e por entre o mato vegetativo denso, conseguimos encontrar o Castelo Medieval de Arouçe. O Castelo é uma fortificação construída no alto de um dos montes da serra, com uma vista privilegiada e estratégica. Trata-se de um castelo de defesa com uma torre principal maior do lado direito e algumas menores do lado esquerdo. O Castelo de Arouce, também conhecido por Castelo da Lousã, remonta a 1080. Os trabalhos de consolidação e restauro mantiveram o monumento em bom estado de conservação até aos dias de hoje, preservando-o numa paisagem florestal, que relembra os primórdios da nacionalidade portuguesa. Não conseguimos entrar, porque o acesso está bloqueado, mas, cá do alto de um outro recanto montanhoso, conseguimos por fim apreciar a sua beleza.
Continuámos a subir até ao cruzeiro. Com dificuldade, e sempre passo a passo, no sentido de ajudar a Rita, lá fomos nós. Parámos algumas vezes para descansar. Tentei inclusive iniciá-las nos Pránáyámas do Yôga, de forma a sentirem a respiração consciente num local maravilhoso como aquele. Era um local perfeito para tal. Contudo, em vez de nos concentrarmos, começámos a aparvalhar e rir com vontade ao ponto de nos engasgarmos. Já com a mão na barriga e nas maçãs dos rostos, e após 3 ou 4 tentativas desconcertantes, acabámos por não continuar. Mas ali permanecemos a ouvir as histórias hilariantes da Rita. Sim… quando digo hilariantes é mesmo esse sentido que quero dar à coisa… Histórias de merda literalmente! Memorável…
Mas a Serra da Lousã tem algo de especial que ainda não sei bem o que é. Talvez seja as maravilhosas e exuberantes paisagens, algumas de cortar a respiração pela sua beleza e magnitude. Paisagens vistas de escarpas altivas, a cujos pés se destacam as piscinas fluviais, cuja outra margem se encontra marcada pela existência de um morro encimado pelo castelo medieval. Talvez seja também a simplicidade com que se apresenta a todos os caminhantes e “descobridores do mundo” que por ali passam e vasculham cada recanto… ou talvez tenha sido a companhia. Os colegas e companheiros de partilha e caminhada… talvez… Mas uma coisa é certa: é que cada momento, local, espaço, encanta. Deixa-nos não em estado de êxtase, como se de uma beleza arrebatadora se tratasse. Não! É antes uma beleza que nos transmite uma tranquilidade e serenidade profunda. Simplesmente, deixa-nos em paz. Transmite-nos isso mesmo. Momentos connosco próprios, que nos fazem reportar à reflexão pessoal, à consciência da vida, dos outros e do mundo. Dos caminhos a trilhar e seguir, dos valores pessoais a manter. Lousã hierarquiza-nos as prioridades da vida. Faz-nos pensar que o dinheiro, os bens materiais e a “imagem a manter” na sociedade são valores tão redutores e limitativos. Lousã faz-nos crer que a vivência na simplicidade torna-nos mais humanos, e aí conseguimos descobrir brilho em tudo o que vemos, sentimos, cheiramos, degustamos e presenciamos. Porque nos faz pensar. Porque nos faz ver. Porque nos faz sentir e acreditar que ser diferente num mundo igual, faz de nós pessoas tão especiais, únicas e intrinsecamente mais belas. Lousã tem este encanto: o de despertar em nós sentidos…

29.8.07

Planisfério Pessoal

PLANISFÉRIO PESSOAL, de GONÇALO CADILHE. O meu livro de viagens favorito. E é sobre que ele que, hoje, gostaria de falar. Porque este não é um livro qualquer!!! É um livro de viagens, de emoções fortes, de horizontes vastos e sublimes. Um livro sobre a vida que povoa este planeta fantástico, vulgarmente denominado “Terra”. Gonçalo Cadilhe, nasceu na Figueira da Foz em 1968, onde reside habitualmente. Precisou de uma licenciatura em Gestão de Empresas e de sete meses a picar o ponto para compreender que não tinha percebido nada da vida: tudo o que lhe interessava encontrava-se na direcção oposta. Despediu-se do emprego, da família e do país e começou a viajar e a escrever. O autor teve uma ideia, que parece simples e se revela afinal de uma enorme complexidade e riqueza: dar a volta ao mundo, durante 2 anos, sem utilizar o avião, sempre por terra e pelo mar, de camioneta, cargueiro, à boleia, bicicleta, comboio ou lancha, a pé, de carro ou qualquer outro tipo de “viatura” que consiga arranjar.
Começamos a ler e rapidamente mergulhamos totalmente na viagem, nas descrições curtas, que nos sabem a pouco e damos por nós a sentir vontade de ficar um pouco mais em cada um daqueles locais, em conhecer um pouco mais algumas daquelas pessoas maravilhosas, a beber nelas a sua esperança de viver.
Por vezes a emoção tolda-nos a visão e as lágrimas indiscretas obrigam-nos a uma pequena paragem, a um momento de reflexão, como este em que estou a escrever estas linhas. Afinal para quê tantas das nossas tristezas e mágoas existenciais? Somos no fundo uns ignorantes, com pretensões estúpidas de sabedorias medíocres. O que conhecemos nós do mundo, para além da pequenez do nosso terraço? Como podemos permitir sentirmo-nos pobres, quando a comida não nos falta a cada refeição e as moedas nos pesam nos bolsos? Ouvimos falar do resto do mundo através das televisões, que nos controlam deliberadamente as emoções e se mesmo assim tudo é muito forte, mudamos de canal com a facilidade que advém da nossa condição de privilegiados.
Gonçalo Cadilhe quis ver com os seus olhos, sem intermediários nem encenações, puro e duro, com tanto de cruel como de maravilhoso, chocante e deslumbrante ao mesmo tempo e com todas as sensações à flor da pele, e atreveu-se a viver, e trocou a sua carreira, talvez promissora, para poder conhecer os lugares mais remotos do planeta… Fez-me imaginar sítios onde nunca irei, provavelmente. E para quem gosta de viajar, assim como eu, talvez chegue mesmo a sonhar, a chorar, e a emocionar-se. E melhor: a conhecer seres humanos que seria um desperdício nunca conhecer.
O facto de ser uma viagem não apenas a lugares, mas à descoberta das pessoas que há nesses lugares é fascinante, sobretudo porque, ao terminar a leitura, percebo, uma vez mais, que somos todos bastante parecidos, quando limpamos o pó das aparências.Adorei o livro, porque todas as experiências que conta, de alguma maneira me aproximaram daquela noção de humanidade como um todo. Somos todos uma espécie. Todos somos todos, independentemente da vida que escolhemos ou de quem somos. As aparências são meras máscaras. E o nosso “Eu” é muito idêntico ao de outros, porque afinal, somos Humanos, somos irmãos… É um livro que eu não vou esquecer!
Obrigado Gonçalo pelas viagens e sonhos que me proporcionaste!