29.7.07

O Dia das Descidas: Viver a Radicalidade da Aventura

Já que se fala em viagens, e porque não viver uma aventura, por um dia, dentro do nosso Portugalinho? Porque não experenciar sensações dentro da nossa realidade? Foi, exactamente, isso que eu fiz! Partida, dia 28 de Julho, com mais amigos para Constância, (então, designada pelo nome de Punhete!!!! Vá… não sejam ordinários… é PUNHETE e não outra coisa!), terra conhecida por ter sido local de residência de Luís de Camões, que aqui escreveu alguns dos seus poemas líricos, por ocasião do seu desterro no Ribatejo, cerca de 1546 ou 1547. Constância teve como primeiro nome Punhete, que se pensa ter tido origem em Pugna Tage que significa combate no Tejo, alusivo ao violento encontro das águas do Zêzere e do Tejo.
A radicalidade do dia esteve, então, em realizarmos, de manhã, uma descida do Rio Tejo em Canoa, partindo de Constância até Tancos, um percurso de 8Km, que durou aproximadamente, 2 horas. Da parte da tarde, a descida foi Rappel da Ponte da Vila de Constância , Vila Nova da Barquinha.
DESCIDA DO RIO TEJO EM CANOA
A concentração aconteceu em Tancos, local onde terminou, também, a actividade. É nesta povoação de margens ajardinadas, que deixamos os veículos e foi a partir daqui que fomos transportados pelos veículos da companhia de actividades radicais, até Constância, local de início da Canoagem. Após um breafing técnico e de segurança, depois de nos equiparmos com o colete, de sabermos como manobrar a papagaia, e na companhia de um monitor entramos para a água, empurrando o Kayak. A colega parceira? A Cláudia!!! – Não poderia deixar de ser!!! “Os que pesam menos deverão ir á frente” – diz o monitor Tiago. Assim sendo, a Cláudia entra para a canoa primeiro que eu, numa tentativa frustrada de não molhar os pés!!! Empurro um pouco e… aqui vamos nós… A confusão foi geral e as risadas demais para nos podermos concentrar na descida que, tecnicamente, é relativamente fácil, porque, uma ligeira corrente transporta-nos pachorrentamente rio abaixo. Mas a descoordenação entre mim e a Cláudia era evidente. Enquanto a Cláudia remava apara a direita, eu remava no sentido oposto… e por isso, enquanto o resto grupo seguia corrente abaixo, nós víamo-nos a aproximar da outra margem, atravessando o rio na sua transversalidade. Rir, rir, rir até não podermos mais. Foi Lindo! Obrigado Cláudia por teres sido a minha parceira de Kayak!!! Isto é que teve a sua piada! Entretanto, lá conseguimos atinar os dois com a forma de execução prática da coisa… “direita, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda” e assim gritávamos nós em voz moderadamente alta, como estratégia encontrada, no sentido de nos coordenarmos… Sim, conseguimos perceber o funcionamento! “É fácil “– dissemos nós!!! Logo após a largada, ainda feita nas águas do Zêzere, passamos pela foz deste para o Rio Tejo. É uma passagem calma e sem qualquer dificuldade. Avistamos de imediato a ponte rodo e ferroviária, que alcançamos em poucos minutos, e que passamos pelo vão central. Aqui o rio ganha uma largura apreciável, e circulando pelo meio podemos contemplar a força deste curso de água. Conseguimos, então, passar à frente de todo o resto do grupo… “direita, esquerda, direita, esquerda”… continuávamos nós numa tentativa de não perdermos a concentração naquilo que estávamos a realizar. O monitor chama-nos. Olhamos desconfiadamente, e percebemos que estamos á frente de todos e até mesmo do monitor. Damos meia volta e subimos o rio contra-corrente para podermos ir ao encontro dos outros que ainda se encontravam mais atrás… Tivemos ideia de aparvalhar (como sempre!!!), e assim, propositadamente, permanecemos em último lugar para que, lentamente, estivéssemos perto do Kayak dos restantes amigos, e sem que ninguém notasse, gritávamos: “ÁGUA”. Há que dizer que quer eles, quer nós ficámos completamente encharcados. Ao menos deu para nos refrescarmos de um calor abrasador, onde a maioria, que não usou o famoso protector da “Loreal” saiu com um escaldão… Passamos ao largo da Praia do Ribatejo, local de férias da elite lisboeta do século XIX. Erguem-se os palacetes na margem do rio. Observamos, também, que muito frequente também são os saltos das fataças. Depois de um primeiro salto devemos manter-nos alerta, pois quase sempre este peixe não termina a sua aparição sem concluir 3 a 5 saltos. No meio do rio, fica à vista um afloramento rochoso. Avisamos os outros que vêm perto de nós que aquilo é um golfinho a subir o rio. Alguns acreditam. Outros obviamente que não! Estamos a meio de uma grande curva á direita e avistamos ao longe o Castelo de Almourol. O que é que tem de especial? O Castelo de Amourol, empoleirado no maciço rochoso a meio do Tejo. Situado numa pequena ilha escarpada, o Castelo de Almourol é dos monumentos militares medievais mais emblemáticos e cenográficos da Reconquista, sendo, simultaneamente, um dos que melhor evoca a memória dos Templários no nosso país. Eu e Cláudia parámos de remar. Deixámo-nos levar pela corrente e, simplesmente, admirámos a sua beleza. Há que dizer que a construção do Castelo remonta aos séculos II antes de Cristo. É certamente, uma forma de felicidade ao olharmos, sentirmos e estarmos perante um rio onde, no meio dele, se ergue um Castelo. Pouco a pouco vamos chegando junto a este pedaço da nossa História. Quase à sombra deste edifício milenar, apercebemo-nos da importância que deve ter tido nas conquistas e reconquistas do território que um dia se tornou Portugal. Desembarcamos pelo lado direito da ilha, e vamos visitar o Castelo. As canoas ficaram presas entre as rochas. Subimos à torre de menagem e … É uma vista de tirar o fôlego. O Tejo contorcendo-se pela lezíria a caminho do oceano, e as populações ribeirinhas caiadas de branco. Estamos em terras de Templários! O menos espectacular foi eu ter dado uma cabeçada nos tectos de baixas dimensões aquando dava por terminada a subida no último degrau. Sinceramente, pensei que tinha partido a cabeça. Afinal… mais um momento de descontracção e risada para todos os outros. E eu? Tentei disfarçar a dor apontando para o rio referindo onde seria a nossa chegada de canoa que se avistava de cima do Castelo. Rio-me, também, quando olho e vejo escrito com corrector numa das muralhas “Tadoro e Tamo Luísa” - alguém que, certamente, ainda não conseguiu perceber que os erros de português poderão ser talvez um impedimento de ser amado!!!

Mais uma vez embarcamos nas canoas, agora para um percurso que, rapidamente, nos aproxima do fim da descida. Na margem direita e junto a um grande e antigo cais, está a rampa de desembarque. Quisemos ser os últimos a chegar para poder aproveitar ao máximo o tempo que ainda nos restava. Doíam-nos os braços. Mas gostaríamos que esta descida pudesse durar também da parte da tarde, simplesmente pela sensação de estarmos em repleto contacto com a natureza. Pela sensação de liberdade, pela sensação de desfrutar de pormenores e vistas fabulosas. Por tudo, não queríamos terminar a nossa aventura já ali… Estávamos prontos para almoçar, e podemos fazê-lo à sombra no relvado à beira rio. Afinal, era preciso retomar forças para a actividade da parte da tarde! E se foi preciso! Sandes, iogurtes, sumos, fruta fresca, croquetes de carne para quem come carne, água, muita água!!! Assim, nos alimentámos… e ali ficámos a retomar forças.

DESCIDA EM RAPPEL DA PONTE DA VILA DE CONSTÂNCIA

Ás 15:30 iniciou a actividade de Rappel. Olho a ponte cá debaixo e vejo duas intermináveis cordas penduradas. O monitor explica como tudo se processará. Alguns valentes querem ser os primeiros a experimentar, numa tentativa de impressionar o resto do grupo que estava um pouco assustado. Ainda mais assustado ficou quando alguns destes valentões que quiseram ir em primeiro lugar, regressam a pé, desistindo de realizar o Rappel. Dizem que não têm medo. Apenas falta de coragem!!! Penso então que muito mais do que exigir grandes aptidões físicas, este exercício desenvolve a força psicológica e a capacidade de decisão. A Cláudia e Susana já decidiram: não vão… muitos outros se juntam a esta decisão!!! Deixo passar algumas pessoas à frente enquanto a adrenalina se vai instalando. Não sou capaz de descrever o que estava a sentir. Talvez um misto de medo, adrenalina, estado maníaco, valentia, cobardia, terror, embriaguez, impressionismo, estupefacção… disfarçava tudo isto com humor, muito humor! Não era a primeira vez que estava a realizar uma actividade destas. Mas, certamente, era a primeira vez que realizava numa altura destas! Já tenho vestido o Bouldrier, totalmente ajustado às pernas e à cintura. Sou um dos próximos. Espero apenas que desça alguém para me dar o restante equipamento, o capacete e a luva. Olho para cima, e vejo que lá em cima alguém ficou preso. Está suspenso numa altura infindável. A t-shirt dele ficou presa no “Freio 8” - equipamento em formato de oito, feito a base de titânio, por onde a corda passa e faz atrito, tornando possível o controle da descida pelo praticante. O silêncio é geral. O que se está a passar? Apenas vimos que um dos monitores desce por uma outra corda até o alcançar. É-lhe lançado uma faca, onde esfateja a T-shit Nike do rapaz! Após 15 minutos estar preso no meio da descida lá consegue chegar a terra firme. Já totalmente equipado subo até ao cimo da ponte. Estão algumas pessoas ainda à minha frente. Agora sim, vejo a dimensão que a ponte têm. Lá de baixo nem percebemos bem o quão alto é! Estou com medo. Quero desistir, mas não comento a ninguém. Só me passa pela cabeça que esta gente é completamente louca! Vejo a cara das pessoas ao colocarem as pernas para o lado de fora das grades. Tremem que nem varas verdes, agarrando-se, com todas as forças, às grandes com medo de cair, mas mesmo assim, fazem-se de fortes. Sorriem. Mandam piadas. Tornam-se irónicas. Ouvem a explicação do monitor, e com expressões faciais tensas, vão descendo com a indicação técnica. Fico um pouco aflito. Sou eu a seguir!!! Olho lá para baixo e vejo todos os outros como pontos pequenos. Consigo perceber alguém que acena. É a Cláudia. Diz que me vai tirar fotografias! Está eufórica e ri-se com a minha figura! Nem lhe presto muita atenção. Já estou com as pernas do lado de lá das grandes. Eu, assim como os outros, agarro-me ás grades com todas as forças que tenho, apesar de estar seguro. Não cairia, mas a adrenalina é tanta que nem nos deixa pensar. A única coisa que me sai da boca são asneiradas. Tantas, de todas as formas e feitios. Eu não sou assim. E rio-me descontroladamente. Mais uma caralhada que digo, e outra e outra. As pessoas que vão a seguir a mim riam-se também. Rimo-nos todos. Rimo-nos dos nervos. Estava pronto! Ou talvez nem tanto… mas começo a descer… olho para baixo! O que eu fui fazer? Sinto o coração a alta velocidade. Com os pés na berma da ponte, vou-me inclinando aos pouco até ficar totalmente paralelo ao chão, uma mão segurando o Bouldrier e a outra segurando a corda atrás das costas. Estou preso apenas por uma corda! Solto os dois pés da ponte e agora sim, estou totalmente suspenso. Após perceber, que tinha passado a parte pior, ridiculamente, sinto-me mais descontraído. Aproveito para observar todo o rio que hoje já o canoei… é enorme. Vejo a paisagem e aos poucos e poucos vou descendo, deixando escorregar a corda por entre a luva. Aperto novamente a corda para não ir muito depressa. Estou a adorar. É uma sensação única. Única mesmo. E sinto-me cheio. Feliz. Capaz. Único também! Cá em baixo a Cláudia continua a fotografar-me. Olho para ela e rio-me. Agora esta foto foi com sorriso! Volto novamente a concentrar-me naquilo que estava a fazer e a viver. E perspectivo o mundo de outra dimensão. É fantástico realmente vê-lo por outras perspectivas, sem ser sempre as nossas. Aprendemos mais. Sentimo-nos diferentes. E crescemos… Chego cá a baixo e estão já algumas pessoas amigas a perguntarem a sensação. Não consigo explicar. É, sem dúvida, indescritível. Só mesmo vivendo e experenciando. Alguns riem-se. Vem ter comigo e dizem que disse tantas asneiras repetidamente lá em cima, que é impossível não se conterem… mas riem-se sobretudo com a expressão “bola pintelhuda” que, sinceramente, não me recordo de a ter dito! Bola pintelhuda??? Meu Deus! O que a adrenalina nos faz!!!! Todos juntos, fomos então lanchar. E depois do lanche, um mergulho nas águas gélidas do rio Tejo. Credo! Acho que nunca tinha sentido uma água tão fria como esta. Até os “tim-tins” se congelaram! Saímos rapidamente. Regressámos e o cansaço tomou conta de nós. Adormecemos á sobra de uma árvore. Descansámos. Que boa sensação de acordar com uma leve brisa fresca. Sentimo-nos felizes. Foi um dia em grande. Em grande mesmo. E não nos cansamos de dizer isso mesmo uns aos outros. “Foi do Melhorio”!!!

3 comentários:

joao firmino disse...

Nelson:

Que grande vontade de comunicar, sem dúvida. Que grande dia, sem dúvida. Que grande Punhete, sem dúvida. Que grande adrenalina, não há qualquer dúvida. E que fúria de viver com as forças da Natureza.

Força e muitas aprendizagens.

Um abraço,

João

SwáSthya Yôga disse...

Olá Nelson:

Eu já sabia da tua vertente espectacular na escrita. Estes teus textos fazem-me viajar contigo nas mais belas sensações por ti vividas.
Em breve, vou ter-te como interveniente de viagens próprias no mais intimo de cada ser humano e dessa forma, ajudares cada aluno na descoberta do que de mais belo existe em cada um de nós... o Purusha.
A nossa escola conta contigo para ajudares teus futuros alunos de SwáSthya Yôga à via do auto-conhecimento.

Força e Parabéns pelo teu percurso de vida.

Carlos Leo

Ana Cristina disse...

Fenomenal!
O que me ri ao ler este post!
Consegues descrever com tanto pormenor que parecia que estava lá por uns minutos, novamente, ao teu lado, a rir que nem uma doida com as tuas asneiradas e com a tua cara de pânico!