26.8.07

Pernas para que vos quero... A fuga dos polícias em NICE

Situada no fundo da baía dos Anjos, perfeitamente abrigada por um anfiteatro de colinas, NICE, uma vila francesa, encontra-se situada na costa do Mar Mediterrâneo, numa baía fechada sobre um agrupamento montanhoso. Chego cansado da viagem. É tarde. Já é de noite. De mochila às costas, consigo encontrar o local que me irá receber - a paróquia de Saint Famille - cujo cartaz em letras garrafais afixadas à berma da estrada, e junto à paróquia faz com que seja bem visível o local onde pernoite.
A recepção foi fantástica. Ainda haviam pessoas à nossa espera, e sem esperarmos, havia sopa e comida preparada!!! Há que dizer que já há longas horas que não trincávamos nada! “O prato contem carne” – pensei eu… Dúvida de um vegetariano regrado:
1) Será que, a estas horas, parecerá muito mal pedir que me façam outro tipo de comida,
2) Deverei simplesmente comer aquela que me servem, ou
3) Deverei dizer que estou cheio e a arrebentar pelas costuras, e que comi desalmadamente, que nem um alarve, pelo caminho?
Sigo pela verdade… e peço, gentilmente, um novo prato de sopa porque sou vegetariano. Servem-me mais um prato e ao terminá-lo, vejo alguém a sorrir alegremente, a dirigir-se para mim, com um prato vegetariano! Foram fazê-lo de propósito para mim… Fiquei super sensibilizado com aquela atitude de acolhimento e recepção. Incrível mesmo!

É Inverno. Está um frio de rachar, de congelar os dedos, as orelhas e nariz! Mas não resisto de poder apreciar a beleza pelas ruas desta vila. Ninguém pára nas ruas. Não existe ninguém. O silêncio é insistente. Luvas calçadas, gorro enfiado na cabeça e casaco bem apertado. E assim, arriscamos e partimos. Cedo me apercebo que diversas colinas dominam a cidade, a mais conhecida é a de Cimiez com seus vestígios antigos. Outra colina legendária é a do castelo, que separa a cidade velha do porto. Dirigi-me até lá acima.

De casas pequenas (patuscas mesmo), e de calçada de pedra, assim é feita a vila! Tudo está no lugar. E vê-se flores no parapeito das janelas e nas entradas das portas. A decoração e cada pormenor faz a diferença. Enquanto subo a ladeira até ao castelo reparo na janela de uma casa. Feita de madeira, é trabalhada em pequenos corações que dão um ar único, rústico e fascinante à coisa… Rio-me e tiro uma fotografia…

Chegamos ao castelo. De lá de cima, podemos observar a cidade nas suas pinturas de luzes, e como estamos na época natalícia, tudo está aceso e enfeitado. A cidade, vista cá de cima é fascinante. Tem brilho e algo me comove…

Mas o frio torna-se aterrador. Medonho mesmo!!! Olho para o chão e vejo estendido no chão quatro grandes troncos que desenham um rectângulo. Ao meio dele está outro que divide o rectângulo em dois espaços. “Vamos jogar ao Futebol Humano” penso eu de forma entusiástica, numa forma original de aquecer do frio e poder, ao mesmo tempo, contemplar - apesar de exausto da viagem - uma vista deslumbrante sobre Nice. Fizemos as equipas. E Ganhámos uma vez, e outra e outra. Ganhámos sempre. E rimos. A equipa mais fracota a ganhar. Nem queríamos acreditar. E a algazarra era total! Total ao ponto de começarmos a ser rodeados de polícias, uns à paisana e outros não. Vinham com os cacetetes em riste! Queriam-nos bater! Há que dizer que cheguei a sentir medo!!!! Num francês macarrónico lá lhes explicámos que: “nous sommes portugueses et nous sommes a jouer!”… Que mais poderíamos explicar? Não quiseram acreditar, e rapidamente, com os cacetetes ao alto, nos expulsaram daquele lugar… Descemos em corrida. E nem uma única vez olhámos para trás. O que o medo faz, meu Deus!!!! Cheguei cansado após a descida. Tirei as luvas e o gorro. Estava a ferver, mas deixei-me estar com o casaco com receio de poder ficar doente. Apaguei as luzes, fechei o saco cama e ali no chão da paróquia dormi. Mas Nice é famosa não só pela sua parte velha (Vieux-Nice), e por isso mesmo, no dia seguinte fui ver o resto da vila. È famosa também pelo cours Saleya que abriga mercados e restaurantes, pelo hotel Victoria, onde morou o famoso pintor MATISSE e o NEGRESCO, pelos museus Chagall e Matisse, pelo Mamac (Museu de Arte Contemporânea), e claro pelo PASSEIO DOS INGLESES (La Promenade des Anglais, "prom" para os locais) que se estende do teatro de Verdure até ao aeroporto por vários quilómetros.

Calcorreei ainda alguns. Tiro algumas fotografias e ali, junto ao mar detenho-me a observar, em silencio, a beleza. Aquilo que me move. Observar. Conhecer. Estar presente. Sentir. E ali estou eu. Vejo ciclistas a passar por mim. São muitos. Muito mesmos, e com garrafas de água especiais vão tentando matar a sede. Penso que não me importaria nada, mas nada mesmo, de ir conhecer o resto do que tenho ainda para ver de bicicleta. Mas ando a pé mais por mais um bom par quilómetros… “Estou estoirado!” – penso eu. E por isso, volto para trás, conheço outras ruas, e fico preenchido com o que vejo.

Já é tarde. Tenho de continuar a viagem… apanho a camioneta para outro destino qualquer. Ao fundo vejo a vila. O castelo lá no alto. Recordo os polícias. E seguindo em frente, sorrio, e rio-me com a situação, mas levarei boas lembranças de Nice…certamente!

Um comentário:

Os olhos da alma... disse...

Pois eu também lá estava e sei o que nos rimos depois da policia ir embora. tal era a barulheira...mas foi tão bom ser acolhida...lá, e junto de vocês!
Abraço.Ritaaaaaa, a prima das viagens...