31.10.07

III - Os Sonhos Conseguimo-los Nós: Basta Partir para Viver

Anseio por saber noticias tuas, amigo Filipe. Perceber a importância de toda esta loucura de deixares o emprego durante 2 meses para poderes partir livremente para onde és realmente importante, e experenciar uma “loucura” como tantos chamariam. Eu digo antes “Vida”. O que estás a viver, é sem dúvida, experenciar a vida na sua mais plenitude: a entrega incondicional aos outros.
Cheguei a casa. Abri o mail. Vi novidade fresquinhas da Nicarágua. E ao ler o que escreveste, fizeste-me reviver momentos anteriores de uma experiência idêntica. Para que todos os que lêm este Blog, entendam, verdadeiramente, o significado das palavras “Atreve-te a Viver”, deixo aqui o teu mail, para que neles possa, também, ser despertar o bichinho de conhecer o mundo…
“Longe do que tenho como garantido, e perceber q tenho tudo para ser feliz. Perceber como em Portugal tenho uma vida cheia de possibilidades e opções, que posso escolher o que fazer... Precisava, realmente, disto. De conhecer uma realidade diferente para perceber que posso comandar a minha vida, que tenho os instrumentos para construí-la.
Tenho crescido mais nos últimos dias aqui do que em muitos anos em Portugal. Aos poucos vou-me apercebendo que o que é de facto importante reside dentro de mim. Gostei de fazer anos aqui e de perceber que aos 25 anos ainda sou um puto rebelde que não se acostumou à vidinha banal.
Também percebi que nunca vou ser o que o comum dos mortais chama de "estar bem na vida". Nunca ambicionei muito dinheiro e agora ainda ambiciono-o menos. Ambiciono mais. Ambiciono o Mundo. Quero conhecer mais, aprender mais e de sentir mais. Quero estar no momento. Quero conseguir sentir o pulsar da Terra dentro do meu coração (sim, eu sei que pareço um pouco tonto, mas acho que os 40 graus de temperatura começam a afectar-me...lol). Ainda quero fazer muitas "loucuras" como esta.Estou feliz por ter feito esta jornada. Por ter desafiado os meus limites. Por ter ousado ir mais além e conseguir superar o que pensava que não ia conseguir. O por testar-me e ter passado no teste. O aprender a gostar de mim próprio (sem narcisismos).
Estou feliz e tranquilo. Uma tranquilidade que já não sentia há muito.Entretanto, no meu dia de anos, aconteceu o que eu jà esperava. Era inevitável. Muitos amigos tinham-me advertido para esta possibilidade. Que me acautelasse e tivesse cuidado. Sabia que havia de acontecer e, no fundo, até queria q acontecesse. Experimentar. Sem dramas. Só a realidade nua e crua. E assim foi... Partilhei o banco do autocarro com duas GALINHAS. VIVAS!!!!! Foi assustador, ainda mais quando se tem medo de aves. Mas pronto, sobrevivi. Aliás todos os dias, quando me vou deitar, agradeço o facto de ainda estar vivo, pois cada dia é uma aventura.
Os autocarros, por exemplo, não têm números nem há horários. Um gajo chega ao terminal e espera...e espera… e continua a esperar... existe um gajo q vai gritando o destino à porta e o autocarro só parte quando está cheio, de pessoas ou de animais...e esse gajo vai no autocarro o caminho todo a gritar o destino. Também não existem paragens. Entra-se e saia-se onde se quer. Os autocarros não tem um número de identificação. Tem nomes, como “Jesus è amor”, “Jesus é o Salvador”, “Ojos de mi padre”, “Yo e a Abuelita”. Têm cruzes e santos e velas e posters de senhoras com muito pouca roupa na janela e no tablier... Só mm visto…
Ontem, por exemplo, foi passear pelas isletas do lago Nicaragua. Um passeio de lancha lindo, andar de barco por entre os pantanos e ver a fauna e flora tropicais...isto é lindo. E acabei por cometer mais uma loucura... Atirei-me do barco e nadei no lago. Resta dizer que o lago tem tubarões (esta ligado ao Atlântico através do Rio San Juan) e é bastante poluído. Mas não quis saber... só se vive uma vez. Acho que os outros voluntários pensam que eu sou doido, pois sou o único que vai a pé pró Bairro, todos os outros vão de taxi, porque é muito perigoso e o esgoto corre a céu aberto. Também sou o único que dedico todo o tempo ao projecto, enquanto eles passam o tempo na internet e nos bares dos gringos. Eu prefiro ir ás tascas dos nicas e falar com os locais ou então sentar-me ao lado de um vendedor de rua e conhecer as suas histórias e a realidade deste país.
Ontem à tarde fomos com os putos ao parque de diversões. Existem vários aqui em Granada mas estes miúdos nunca lá vão. Os pais estão demasiado drogados ou bêbados para os levarem. Ri-me, genuinamente, como não me ria há muito. A alegria deles por verem um baloiço e um escorrega. Por poderem brincar á vontade, por poderem, nem que por poucos momentos, serem umas crianças felizes a brincar no parque em vez de brincarem no esgoto como habitualmente. Até eu andei de baloiço, empurrado por 3 dos miúdos.
À noite é que temi, a sério, pela minha vida. Nos últimos dias tem chovido imenso. Horas e horas a fio a chover. Não há escoamento na cidade, pelo que as ruas ficam logo alagadas. Água acima dos tornozelos. Mas á noite parou de chover e então decidimos (eu, a Isa e a Sofia, portuguesas, e o Juan, nica) ir até Masaya, uma cidade perto daqui, para umas festas tradicionais. Decidimos ir de táxi. Enquanto esperávamos o taxi ouvimos um barulho assustador, como nunca tinha ouvido. Um Tornado q passou pela praia mas que, felizmente, não causou muitos danos. Estávamos no táxi há uns 2 minutos quando começa a chover como nunca tinha visto. As escovas do carro não davam vazão à quantidade de agua. As estradas da Nicarágua são, basicamente, crateras enormes com pedaços ocasionais de alcatrão. Também não são iluminadas. O motorista seguia a grande velocidade, com a música a bombar, um cigarro numa mão e o telemóvel na outra. Queria gritar-lhe que abrandasse mas acho que estava paralisado de medo. Íamos batendo por 3 vezes noutros carros e quase que bateu numa casa porque não a viu... Mas lá sobrevivemos à viagem e assistimos ás festas típicas aqui da terrinha.
Muita salsa, muita, muita… Parece que já nascem a dançar estes gajos. Ainda me aventurei a dançar com a Isa e depois com uma nativa mas não correu lá muito bem. Felizmente tinha parado de chover no regresso.
Resta dizer que já fiz um amigo muito especial por aqui... É negro, de olhos verdes lindos. Ao início não lhe liguei muito mas as suas constantes investidas acabaram por me seduzir. Adora os meus mimos. Arranjei um cabrão de um gato abandonado, cheio de pulgas e carraças!!!!!!!! Mas não resisti. Anda sempre lá pelo jardim de casa a pedinchar comida. A Sofia nem sonha que eu lhe dou comida quando ela não está. E que lhe dou mimos e banho. Eu, que detesto gatos, a cuidar de um... o calor afecta, de facto, as pessoas... hehehehe.
Um forte abraço, a transbordar de saudades, Filipe (ou Professor Che, pois estou com uma barba descomunal mas que protege dos mosquitos)…”

Um comentário:

Daniel Santos disse...

Nélson

Um abraço e obrigado por o teu testemunho de vida

Daniel