31.10.07

IV - Com a Freira ao Colo

"No fim-de-semana da outra semana acabei por ir sozinho até Las Peñitas, um vilarejo na costa do Pacífico. Mochila ás costas. Ansioso por empreender uma travessia destas. Atravessar metade de um país desconhecido. Acordo cedo. Faço a mala e preparo-me para rumar ao desconhecido. A aventura começa logo aqui na minha cidade, Granada.
Apanho um autocarro pra Manágua, que já estava a abarrotar. Sentei-me numa espécie de encosto (não consigo explicar bem) que vai por cima do motor. O desconforto já era muito mas o pior ainda estava para vir. Á saída de Granada entraram mais pessoas no autocarro. Entre elas, uma idosa freira. Como bom moçinho que sou, pergunto á Irmã se se quer sentar. Diz-me q sim e agradece. E aqui deve ter havido alguma falha de comunicação que me escapou. É certo q não me levantei logo pois o autocarro estava aos solavancos, e então a freira sentou-se ao meu colo!!!!!!!!!! Fiquei sem reacção... Mentalmente ia elaborando uma forma de lhe dizer que não era para se sentar ao meu colo mas deixei passar os instantes de resposta e acabei por me resignar a levar a Irmã ao colo até Manágua (1 hora de viagem). Quando eu pensava q a viagem já não poderia piorar, eis que a meio do caminho entra uma senhora com uma menina pela mão e um bebé ao colo (pequeno aparte: Não há lugares reservados e os nicaraguenses também não são muito sensíveis...). Eu compreendo q a freirinha só queria ajudar mas podia lembrar-se q também ela já ia ao colo... Portanto, a freira ofereceu-se para segurar o bebé da senhora. Resumindo, a freira ia ao meu colo e ela, por sua vez, levava um bebé ao colo!!!!!!!!!!!! Bizarro?? Não, apenas a realidade nicaraguense...
(...) Lá chego a Léon que, para além de Granada, é a única cidade imponente da Nicarágua. O terminal de autocarros é no meio do mercado. O maior caos possível e imaginário. De tudo à venda. Sou constantemente abordado por vendedoras. "Qué buscas mi amor?" Digo que nada e apenas pergunto o caminho para catedral. Todos em Granada me tinham dito para apanhar táxi, mas prefiro caminhar pelas ruas da cidade e misturar-me com as gentes da terra. Um gajo oferece-se para me acompanhar à catedral. Fico um pco receoso, o que será que este gajo quer? Mas lá o deixo acompanhar-me. Talvez que percebendo o meu receio, mostra-me a sua identificação. Juan Carlos Reyes, tenente do exército da Nicarágua. Fico mais tranquilo. Se bem que se a seguranca da Nicarágua depender de meias-lecas como o Juan, mais vale renderem-se logo...lol
Juan acaba por ser o meu guia por Léon. Leva-me à catedral, impressionante na sua gigante fachada barroca, e às muitas igrejas da cidade. Algumas delas ainda exibem as feridas que a violenta guerra civil deixou. Aliás, Léon foi das cidades mais sacrificadas pela guerra... Vejo muitos murais pelas ruas da cidade, todos recordando os mortos e a constante luta pela liberdade e sobrevivência q este pais travou. E ainda trava.
Lá paramos numa tasca. Pago-lhe uma cerveja e dou-lhe alguns cigarros. O Juan fala-me dele. É apenas dois anos mais velho do que eu (tem, portanto, 27 anos) mas parece ter 40. Um rosto que não sorri e um olhar parado. Fala-me do seu irmão, assassinado durante um assalto na Guatemala, para onde tinha ido em busca de melhor sorte. Ou do seu melhor amigo de infância que morreu soterrado num desabamento de terras q engoliu a sua aldeia. Ou de um outro amigo do exército, que se deixou vencer pelas drogas e acabou morto numa rixa entre traficantes. Uma realidade que toca a todos neste pais desgraçado. A Nicarágua é dos países do Mundo com mais catástrofes naturais. Terramotos. Cheias. Desabamentos de terra. Furacões. Vulcões. Não é de admirar a pobreza... Uma estranha dualidade da Mãe Natureza, pois o pais é lindo!!
Juan leva-me até ao autocarro para Las Peñitas. Na despedida pergunta-me se lhe posso fazer um favor. Pergunto-lhe o quê. A custo, pede-me 20 cordobas (menos de um euro). Pergunto-lhe para que quer o dinheiro. Diz-me que é para uma coisa. Insisto e pergunto-lhe q coisa. Baixa os olhos e, envergonhado, diz-me q é pra comprar um trago (rum). Lá lhe dou os 20 cordobas, sabendo que o rum será a única coisa a pôr um sorriso nos lábios de Juan.
Chego a Las Peñitas ainda perturbado com a situaçao anterior e com tudo o que vou vendo por aqui... "

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