31.10.07

VII - Olhares e Paisagens de Desesperança

Tem chovido imenso nos últimos dias mas aqui em Granada. Mas no norte do pais a situação é alarmante. Já morreram várias pessoas. Há mais de 100 desaparecidos e muitas aldeias estão destruídas assim como campos de cultivo. Há mais de 10.000 pessoas que ficaram desalojadas. Mas aqui na minha cidade está tudo tranquilo (...)
De autocarro passamos por zonas inundadas. Da estrada dá para ver as casas com água até meia altura e as pessoas sentadas nas janelas à espera...nem sei do quê... se de auxilio se de milagres...O autocarro consegue cruzar a estrada, embora a água entre pelo fundo do autocarro e molhe os pés. O panorama q se vê da janela è desolador...campos destruídos, casas cobertas de água...e as pessoas nas margens, já resignadas a uma terra impiedosa, mas q è a sua terra e tudo o q no Mundo conhecem... Mais à frente na estrada, mais uma situação de partir o coração. Aí não havia cheias mas a chuva tinha aberto vários buracos na estrada. Vários miúdos vão atirando areia ou terra para os buracos quando veêm um carro ao longe e depois põem o indicador em riste, a pedir um cordoba pelo seu trabalho...Vi uma menina, que não teria mais que 3 anos, a acartar terra com as suas mãozinhas para um buraco e depois a pedir a esmola na berma da estrada... Senti-me impotente, a vontade de querer ajudar e não o poder fazer...acho que a imagem daquela menina me irá perseguir eternamente...
Chegamos a Manàgua com pouca disposição para ir ao cinema. Damos uma volta no centro comercial, ao nível dos melhores da Europa, onde constato a disparidade que é este pais. Os preços estão todos em dólares e são altíssimos, considerando que um salário normal é de 1400 cordobas (65 euros +-) e que uma vacina custa 500 cordobas... Ainda assim, baratos para mim, europeu (nao se aceitam pedidos). Regressámos a Granada, no mais apinhado autocarro... capacidade para transportar 12 passageiros mas levava 28!!!!!!!!!!!! Como? De pé, ao colo, agachados debaixo do porta-luvas.... Esta semana tem decorrido tranquila, com muita chuva mas que não detêm a vida de continuar. Aqui quando chove as pessoas continuam a fazer a sua vidinha normal, só que molhadas. Eu também já faço o mesmo...Ya soy nica...

VI - Uma nova Família

Arranjei um hermanito. Chama-se Enrique, tem apenas 9 anos. Está muito atrasado para a sua idade, tem muitas dificuldades em escrever e em ler, mas é adorável. Ficou todo orgulhoso quando lhe disse que Enrique era o nome do primeiro rei do meu pais (do qual ele nunca ouviu falar). A mãe morreu e o pai foi para os Estados Unidos e nunca mais deu noticias. Vive com a avó e com uma irmã mais velha. Ensinou-me como se pesca um peixe e como cozinhá-lo e prometeu-me que vai fazer-me um almoço em sua casa (embora não me pareça que eu queira comer o que quer que seja vindo do Lago Nicarágua). Anda sempre atrás de mim e chama-me de hermano. Pediu-me para o esconder na minha mala e trazê-lo para Portugal. Mal consegui conter as lágrimas (chorei depois baba e ranho em casa), mas disse-lhe que isso era muito difícil, porque depois vinha o policia e íamos os dois presos. Ficou desanimado mas disse-lhe que podíamos tentar...Também tenho todas as miúdas apaixonadas por mim, lol!!! Entregam-me bilhetinhos no final das aulas com corações e nome delas por cima e depois, em baixo, Professor Filipe. Acho q eu fico mais atrapalhado que elas...lol
A outra novidade da semana foi que os meus gangsters trabalham num restaurante, financiado pela organização. O restaurante já existia, mas apenas abria para jantares de grupo. Agora funciona normalmente. São cozinheiros e empregados de mesa. Fui là na inauguraçao. Foi giro vê-los nervosos pois queriam impressionar. O Dennis estava tão nervoso que não sabia o q fazer às mãos e andava sempre aos pulinhos. Mas desenrascaram-se bem e cozinham mm mto bem, comi o melhor bolo de chocolate de sempre. Um misto entre chocolate e pudim, delicioso. O Juan vai ensinar-me a receita para depois eu fazer para vocês, seus alarves... até aposto que já estão todos a salivar...lol. Estes gajos são uns bacanos. Estão sempre a tentar assustar-me com as suas histórias de gangs, mas já perceberam que comigo não têm muita sorte. Um deles, outro dia deu-me um aperto de mão e depois um soco no braço. Quando o voltei a ver, dei-lhe um aperto de mão e depois apertei-lhe os tomates, mas com força ¿Y ahora càbron? Rimo-nos os dois e bebemos uma cerveja às escondidas da Lilly, a gerente do restaurante. E agora já os cumprimento a todos tal e qual como eles se cumprimentam entre si: Um aperto de mão e depois um toque com os cotovelos. Acho q fui aceite no gang...lol Enfim, uma nova família!

V - Em Léon Por Mais um Dia: Descer o Vulcão Cerro Negro

Decido ficar em Léon mais um dia e subir ao Cerro Negro. Alojo-me num hotel que faz passeios ao vulcão. Na verdade, caminhadas até à cratera e, depois, deslizar desde o topo até cá abaixo numa prancha de madeira a uma velocidade de 65 km/h... Fico num dormitório por 3 dólares, tudo compartido.
Manhã seguinte, pequeno-almoço reforçado. Como o tradicional gallopinto (arroz, feijão, ovos mexidos, queijo frito, banana frita e tortilhas) para ganhar forças para a escalada. Seguimos numa carrinha de caixa aberta, todos europeus a viajarem de mochila às costas. O Isar, um holandês de 25 anos, despediu-se do trabalho e anda a viajar pela América há 6 meses. Sinto vontade de fazer o mesmo. Gosto d'esta sensação de não ter destino certo. De fazer o que me apetece. De conhecer as pessoas e de partilhar uns instantes da vida com elas. De ter tempo para apreciar a realidade. De ter tempo para me deter a ver uma flor só porque è bela... talvez que não regresse a Portugal... Estou a gostar por demais desta sensação de liberdade e de plenitude... E é engraçado como as pessoas se aproximam e partilham o que têm, ainda que pouco.
Lá seguimos viagem, pelo meio das estradas de lama. Inevitavelmente, a carrinha fica atolada. Descemos, mas não há muito que possamos fazer. Há apenas uma pá, e o motorista lá se vai esforçando para desatolar o carro. Nada. Aparece ajuda. Uns rapazes munidos de pás lá se enfiam na lama e ajudam a retirar o carro. Pensei que fossem cobrar pelo "serviço" mas não. Simplesmente foram prestáveis.
A primeira visão do Cerro Negro è impressionante!! É o mais jovem vulcão do continente, com apenas 157 anos. Um dia, simplesmente, surgiu do nada. Mas é muito violento. Na sua última erupção, em 2002, cobriu a cidade de Lèon com areia negra durante vários dias. O vulcão é todo preto. Areia e rochas. Só tem vegetação até à base. É um contraste abissal. Verdura e logo a seguir apenas areia negra, não há zona de transição. Iniciamos a caminhada, já com as pranchas na mão. A subida é mais ou menos fácil, se bem que algo instável. Começa a chover e não temos onde nos abrigar. Felizmente, a típica chuvada tropical. Uns minutos de dilúvio mas que pára num instante. Claro que estar na encosta de um vulcão a chover torrencialmente faz disparar a adrenalina. Chegamos ao cume. Fantàstico!!!!!!!!!!! Vê-se os gases a sair da cratera e o cheiro a enxofre è intenso. Não nos podemos deter muito pois a tempestade aproxima-se. A vista desde o cume è arrebatadora. Vê-se apenas floresta verde e muitos outros vulcões. Depois vejo a encosta que vou descer montado numa prancha. Não consigo evitar de pensar que estou a pagar 20 dólares para me matar. Foi um pouco assustador ver a base do vulcão taaaaaaaaaaaaaooooooooooooo lá em baixo e ver as arcaicas pranchas onde estava prestes a deslizar. Enfim...obviamente que o fiz, indo pelo troço onde se consegue atingir a velocidade máxima... claro, se é pra morrer que seja em estilo, lol...
A sensação é fantástica. Deslizei muito rápido e só me espalhei já na recta final... Fiquei todo coberto de areia e com um gosto muito estranho na boca. Todos chegaram bem, incluindo Bagel, "the vulcanic dog" da guia. No caminho de volta ao hotel, apanhámos a tempestade. Carrinha de caixa aberta sem protecção. Mas foi giro irmos todos a conversar encharcadíssimos. Volto ao hotel, já não posso tomar banho, a menos q queira pagar outra noite (não!!!). Regresso a Granada completamente partido, todo sujo, mas feliz e entusiasmado com as aventuras que vivi.

IV - Com a Freira ao Colo

"No fim-de-semana da outra semana acabei por ir sozinho até Las Peñitas, um vilarejo na costa do Pacífico. Mochila ás costas. Ansioso por empreender uma travessia destas. Atravessar metade de um país desconhecido. Acordo cedo. Faço a mala e preparo-me para rumar ao desconhecido. A aventura começa logo aqui na minha cidade, Granada.
Apanho um autocarro pra Manágua, que já estava a abarrotar. Sentei-me numa espécie de encosto (não consigo explicar bem) que vai por cima do motor. O desconforto já era muito mas o pior ainda estava para vir. Á saída de Granada entraram mais pessoas no autocarro. Entre elas, uma idosa freira. Como bom moçinho que sou, pergunto á Irmã se se quer sentar. Diz-me q sim e agradece. E aqui deve ter havido alguma falha de comunicação que me escapou. É certo q não me levantei logo pois o autocarro estava aos solavancos, e então a freira sentou-se ao meu colo!!!!!!!!!! Fiquei sem reacção... Mentalmente ia elaborando uma forma de lhe dizer que não era para se sentar ao meu colo mas deixei passar os instantes de resposta e acabei por me resignar a levar a Irmã ao colo até Manágua (1 hora de viagem). Quando eu pensava q a viagem já não poderia piorar, eis que a meio do caminho entra uma senhora com uma menina pela mão e um bebé ao colo (pequeno aparte: Não há lugares reservados e os nicaraguenses também não são muito sensíveis...). Eu compreendo q a freirinha só queria ajudar mas podia lembrar-se q também ela já ia ao colo... Portanto, a freira ofereceu-se para segurar o bebé da senhora. Resumindo, a freira ia ao meu colo e ela, por sua vez, levava um bebé ao colo!!!!!!!!!!!! Bizarro?? Não, apenas a realidade nicaraguense...
(...) Lá chego a Léon que, para além de Granada, é a única cidade imponente da Nicarágua. O terminal de autocarros é no meio do mercado. O maior caos possível e imaginário. De tudo à venda. Sou constantemente abordado por vendedoras. "Qué buscas mi amor?" Digo que nada e apenas pergunto o caminho para catedral. Todos em Granada me tinham dito para apanhar táxi, mas prefiro caminhar pelas ruas da cidade e misturar-me com as gentes da terra. Um gajo oferece-se para me acompanhar à catedral. Fico um pco receoso, o que será que este gajo quer? Mas lá o deixo acompanhar-me. Talvez que percebendo o meu receio, mostra-me a sua identificação. Juan Carlos Reyes, tenente do exército da Nicarágua. Fico mais tranquilo. Se bem que se a seguranca da Nicarágua depender de meias-lecas como o Juan, mais vale renderem-se logo...lol
Juan acaba por ser o meu guia por Léon. Leva-me à catedral, impressionante na sua gigante fachada barroca, e às muitas igrejas da cidade. Algumas delas ainda exibem as feridas que a violenta guerra civil deixou. Aliás, Léon foi das cidades mais sacrificadas pela guerra... Vejo muitos murais pelas ruas da cidade, todos recordando os mortos e a constante luta pela liberdade e sobrevivência q este pais travou. E ainda trava.
Lá paramos numa tasca. Pago-lhe uma cerveja e dou-lhe alguns cigarros. O Juan fala-me dele. É apenas dois anos mais velho do que eu (tem, portanto, 27 anos) mas parece ter 40. Um rosto que não sorri e um olhar parado. Fala-me do seu irmão, assassinado durante um assalto na Guatemala, para onde tinha ido em busca de melhor sorte. Ou do seu melhor amigo de infância que morreu soterrado num desabamento de terras q engoliu a sua aldeia. Ou de um outro amigo do exército, que se deixou vencer pelas drogas e acabou morto numa rixa entre traficantes. Uma realidade que toca a todos neste pais desgraçado. A Nicarágua é dos países do Mundo com mais catástrofes naturais. Terramotos. Cheias. Desabamentos de terra. Furacões. Vulcões. Não é de admirar a pobreza... Uma estranha dualidade da Mãe Natureza, pois o pais é lindo!!
Juan leva-me até ao autocarro para Las Peñitas. Na despedida pergunta-me se lhe posso fazer um favor. Pergunto-lhe o quê. A custo, pede-me 20 cordobas (menos de um euro). Pergunto-lhe para que quer o dinheiro. Diz-me que é para uma coisa. Insisto e pergunto-lhe q coisa. Baixa os olhos e, envergonhado, diz-me q é pra comprar um trago (rum). Lá lhe dou os 20 cordobas, sabendo que o rum será a única coisa a pôr um sorriso nos lábios de Juan.
Chego a Las Peñitas ainda perturbado com a situaçao anterior e com tudo o que vou vendo por aqui... "

III - Os Sonhos Conseguimo-los Nós: Basta Partir para Viver

Anseio por saber noticias tuas, amigo Filipe. Perceber a importância de toda esta loucura de deixares o emprego durante 2 meses para poderes partir livremente para onde és realmente importante, e experenciar uma “loucura” como tantos chamariam. Eu digo antes “Vida”. O que estás a viver, é sem dúvida, experenciar a vida na sua mais plenitude: a entrega incondicional aos outros.
Cheguei a casa. Abri o mail. Vi novidade fresquinhas da Nicarágua. E ao ler o que escreveste, fizeste-me reviver momentos anteriores de uma experiência idêntica. Para que todos os que lêm este Blog, entendam, verdadeiramente, o significado das palavras “Atreve-te a Viver”, deixo aqui o teu mail, para que neles possa, também, ser despertar o bichinho de conhecer o mundo…
“Longe do que tenho como garantido, e perceber q tenho tudo para ser feliz. Perceber como em Portugal tenho uma vida cheia de possibilidades e opções, que posso escolher o que fazer... Precisava, realmente, disto. De conhecer uma realidade diferente para perceber que posso comandar a minha vida, que tenho os instrumentos para construí-la.
Tenho crescido mais nos últimos dias aqui do que em muitos anos em Portugal. Aos poucos vou-me apercebendo que o que é de facto importante reside dentro de mim. Gostei de fazer anos aqui e de perceber que aos 25 anos ainda sou um puto rebelde que não se acostumou à vidinha banal.
Também percebi que nunca vou ser o que o comum dos mortais chama de "estar bem na vida". Nunca ambicionei muito dinheiro e agora ainda ambiciono-o menos. Ambiciono mais. Ambiciono o Mundo. Quero conhecer mais, aprender mais e de sentir mais. Quero estar no momento. Quero conseguir sentir o pulsar da Terra dentro do meu coração (sim, eu sei que pareço um pouco tonto, mas acho que os 40 graus de temperatura começam a afectar-me...lol). Ainda quero fazer muitas "loucuras" como esta.Estou feliz por ter feito esta jornada. Por ter desafiado os meus limites. Por ter ousado ir mais além e conseguir superar o que pensava que não ia conseguir. O por testar-me e ter passado no teste. O aprender a gostar de mim próprio (sem narcisismos).
Estou feliz e tranquilo. Uma tranquilidade que já não sentia há muito.Entretanto, no meu dia de anos, aconteceu o que eu jà esperava. Era inevitável. Muitos amigos tinham-me advertido para esta possibilidade. Que me acautelasse e tivesse cuidado. Sabia que havia de acontecer e, no fundo, até queria q acontecesse. Experimentar. Sem dramas. Só a realidade nua e crua. E assim foi... Partilhei o banco do autocarro com duas GALINHAS. VIVAS!!!!! Foi assustador, ainda mais quando se tem medo de aves. Mas pronto, sobrevivi. Aliás todos os dias, quando me vou deitar, agradeço o facto de ainda estar vivo, pois cada dia é uma aventura.
Os autocarros, por exemplo, não têm números nem há horários. Um gajo chega ao terminal e espera...e espera… e continua a esperar... existe um gajo q vai gritando o destino à porta e o autocarro só parte quando está cheio, de pessoas ou de animais...e esse gajo vai no autocarro o caminho todo a gritar o destino. Também não existem paragens. Entra-se e saia-se onde se quer. Os autocarros não tem um número de identificação. Tem nomes, como “Jesus è amor”, “Jesus é o Salvador”, “Ojos de mi padre”, “Yo e a Abuelita”. Têm cruzes e santos e velas e posters de senhoras com muito pouca roupa na janela e no tablier... Só mm visto…
Ontem, por exemplo, foi passear pelas isletas do lago Nicaragua. Um passeio de lancha lindo, andar de barco por entre os pantanos e ver a fauna e flora tropicais...isto é lindo. E acabei por cometer mais uma loucura... Atirei-me do barco e nadei no lago. Resta dizer que o lago tem tubarões (esta ligado ao Atlântico através do Rio San Juan) e é bastante poluído. Mas não quis saber... só se vive uma vez. Acho que os outros voluntários pensam que eu sou doido, pois sou o único que vai a pé pró Bairro, todos os outros vão de taxi, porque é muito perigoso e o esgoto corre a céu aberto. Também sou o único que dedico todo o tempo ao projecto, enquanto eles passam o tempo na internet e nos bares dos gringos. Eu prefiro ir ás tascas dos nicas e falar com os locais ou então sentar-me ao lado de um vendedor de rua e conhecer as suas histórias e a realidade deste país.
Ontem à tarde fomos com os putos ao parque de diversões. Existem vários aqui em Granada mas estes miúdos nunca lá vão. Os pais estão demasiado drogados ou bêbados para os levarem. Ri-me, genuinamente, como não me ria há muito. A alegria deles por verem um baloiço e um escorrega. Por poderem brincar á vontade, por poderem, nem que por poucos momentos, serem umas crianças felizes a brincar no parque em vez de brincarem no esgoto como habitualmente. Até eu andei de baloiço, empurrado por 3 dos miúdos.
À noite é que temi, a sério, pela minha vida. Nos últimos dias tem chovido imenso. Horas e horas a fio a chover. Não há escoamento na cidade, pelo que as ruas ficam logo alagadas. Água acima dos tornozelos. Mas á noite parou de chover e então decidimos (eu, a Isa e a Sofia, portuguesas, e o Juan, nica) ir até Masaya, uma cidade perto daqui, para umas festas tradicionais. Decidimos ir de táxi. Enquanto esperávamos o taxi ouvimos um barulho assustador, como nunca tinha ouvido. Um Tornado q passou pela praia mas que, felizmente, não causou muitos danos. Estávamos no táxi há uns 2 minutos quando começa a chover como nunca tinha visto. As escovas do carro não davam vazão à quantidade de agua. As estradas da Nicarágua são, basicamente, crateras enormes com pedaços ocasionais de alcatrão. Também não são iluminadas. O motorista seguia a grande velocidade, com a música a bombar, um cigarro numa mão e o telemóvel na outra. Queria gritar-lhe que abrandasse mas acho que estava paralisado de medo. Íamos batendo por 3 vezes noutros carros e quase que bateu numa casa porque não a viu... Mas lá sobrevivemos à viagem e assistimos ás festas típicas aqui da terrinha.
Muita salsa, muita, muita… Parece que já nascem a dançar estes gajos. Ainda me aventurei a dançar com a Isa e depois com uma nativa mas não correu lá muito bem. Felizmente tinha parado de chover no regresso.
Resta dizer que já fiz um amigo muito especial por aqui... É negro, de olhos verdes lindos. Ao início não lhe liguei muito mas as suas constantes investidas acabaram por me seduzir. Adora os meus mimos. Arranjei um cabrão de um gato abandonado, cheio de pulgas e carraças!!!!!!!! Mas não resisti. Anda sempre lá pelo jardim de casa a pedinchar comida. A Sofia nem sonha que eu lhe dou comida quando ela não está. E que lhe dou mimos e banho. Eu, que detesto gatos, a cuidar de um... o calor afecta, de facto, as pessoas... hehehehe.
Um forte abraço, a transbordar de saudades, Filipe (ou Professor Che, pois estou com uma barba descomunal mas que protege dos mosquitos)…”

II - Percorrer o Fim do Mundo na Nicarágua

“Olá Nélson!!!!!!!!!!!!!!!Adorei ouvir a tua voz hoje. É sempre bom ouvir a voz de um amigo quando se está tão longe de casa. Isto está a ser uma experiência alucinante. A realidade é outra!!!!!!!!” – Dizes-me tu num e-mail que me enviaste de terras longínquas, dias após ter-me despedido de ti ao aeroporto, e de, conjuntamente com a minha prima, te termos surpreendido com a música “Um Amigo”, em amena guitarrada mesmo antes de partires. Estavas tão nervoso! Afinal… encontrar um caminho a seguir tem disto mesmo. Não é fácil. E contêm muitas decisões, angustia, medo, perdas…
Continuas tu no e-mail:“A cidade de Granada é fantástica, linda, verdadeiramente colonial, com imensas igrejas e casas coloridas. Muitos restaurantes, bares e cyber cafés compõem o ramalhete. Calor intolerável e imensos mosquitos. Hoje foi dia de cortarem a água, ainda nem tomei banho... mas estou a adorar!!!!!!!!!!!

Hoje foi o primeiro dia de aulas. Foi muito engraçado dar aulas aos putos. São muito pobres e não podem frequentar a escola, por isso, a “Escolita Yo Puedo” é a única alternativa para terem alguma educação. Há miúdos de várias idades, mas são todos muito pequenos devido à deficiente alimentação. Hoje ri-me como já não me ria há imenso tempo. Ri-me da inocencia destes putos, ri-me de jogar á apanhada com eles. Os putos chamam-me de Professor Che (de Guevara) por causa da minha barba, lololololol. Mas os sorrisos e os olhares dos miúdos fazem-me esquecer a tormentosa viagem que tive...sinto-me tranquilo como já não me sentia há muito tempo.

De alguma forma, isto acaba por fazer sentido, por tornar real o que eu sempre defendi em palavras. Sempre achei que devemos fazer algo para ajudar, que está nas nossas mãos poder tornar o Mundo num lugar melhor. E agora, sinto que estou, realmente, a dar de mim aos outros, a dar a minha pequena contribuição. Talvez que não vá alterar o destino destas crianças. Talvez que caiam nas drogas e na extrema pobreza como a maioria dos adolescentes daqui, q não tem grande futuro. Mas, pelo menos, vão poder sonhar porque alguém acreditou nelas. Vão poder sentir esperança porque alguém não desistiu delas e mostrou-lhes alternativas... e fico muito feliz por ser esse alguém.

Obrigado por tudo Nélson, por me teres apontado o caminho...por teres aparecido na hora certa e iluminares a minha vida. Ainda tenho no meu telemóvel o teu sms "Estarei sempre aqui para te apoiar naquilo q precisares: Faz como o feiticeiro de Oz, que depois de se encontrar a si próprio, partiu no seu caminho... www.buildingnewhope.org - Manágua, Nicarágua" e realmente, tens estado... Ajudaste-me a encontrar o caminho…Lembro-me tão bem como tudo começou. Lembro-me daquela tarde no Campo Pequeno, em que falámos durante horas sobre a vida, sobre medos e sobre partilha. Nessa tarde decidi fazer esta viagem. Decidi q iria lutar pelos ideais em que acredito. E estou feliz por aqui estar. Obrigado por tudo, Nélson. Por todo amor que me deste e que me dás. Obrigado por me teres acordado, por me teres desperto para o que é importante. A amizade não cobra favores mas sinto-me em divida para contigo. Deste-me mais do que eu poderia imaginar. Sinto-me a renascer, cada vez mais desperto para o q na vida é importante.

Tenho saudades tuas, gostava de partilhar, ao vivo e a cores toda esta experiência contigo. Filipe.”Hoje choro emocionado ao ler o teu e-mail, porque também hoje compreendo que por mais pequenos gestos que temos para com os outros, isso poderá marcar, sem se quer notarmos. Sei que tudo aquilo que partilhámos naquele dia, foi sem dúvida o despoletar para a Vida!!!! Aproveita-a… e agarra-a com toda a força. Não a deixes fugir…. Estarei sempre contigo! Força!

17.10.07

I - Nicarágua: O Início de Uma Grande Viagem de Descobertas

É Primavera. Mas continua o frio, e hoje mais do que o normal. Lembro-me desse dia. Do dia de início de uma longa viagem interna, que culminou com a partida para Manágua, capital da Nicarágua, numa longa viagem externa, de 2 meses!!! Sento-me num banco do jardim, com o André Filipe, amigo do peito, ali mesmo em frente ao Campo Pequeno. Podíamos ter entrado para a superfície comercial. Mas preferimos ficar ali. Na rua. Nos bancos, onde vislumbrávamos carros num vai-vem doido, onde pessoas corriam de um lado para o outro, num sentimento frenético. Sorrisos zero. Também elas estavam frias assim como o tempo… E ali permanecemos horas, a conversar, sem que déssemos por isso. E anoiteceu por ali… E do que falámos nós? Simplesmente da vida! Dos sonhos. Daquilo que, realmente, queremos e que nos faz feliz. Daquilo que sempre sonhámos mas que nunca ousámos concretizar por medo, receio, ou simplesmente, porque nunca chegámos a parar, de certo modo, para pensar nisto mesmo. Porque temos medo, ou porque os outros resistem a qualquer mudança nossa e, certamente, vão achar que estamos loucos, ou que então não estamos a passar “uma boa fase na nossa vida”. E assim, perdemos o mundo… e deixamos de viver e de vivê-lo. Deixamos de sentir o sabor a liberdade, de sentir o sangue a correr nas veias, de sentir a adrenalina de sabermos que é esse o caminho que queremos trilhar. E aos poucos e poucos, se não nos determos, vamos deixando de viver. E vivemos apenas de acordo com o que a sociedade quer que vivamos… somente isso. Lembro-me, nesse dia, da rebelião de sentimentos em que te encontravas. Um pouco perdido, senti eu. Não sabias ao certo o que te dava prazer, onde querias estar, ou para onde querias ir… O trabalho não era certamente. A vidinha mais ou menos de todos os fins-de-semana ir para o bairro alto e beber uns copos, e de saber que na semana a seguir se iria passar o mesmo? Detemo-nos ali a questionar em tudo e a pensar… A partir desse mesmo dia, iniciaste então uma viagem interna, que ainda hoje estás a vivê-la. Mas noutros moldes. Uma viagem mais madura, onde estás a descobrir o essencial da vida: as prioridades e os valores do mundo. E estás a descobri-lo no fim dele… através da tua entrega aos outros nos bairros degradados de Manágua. Uma experiência idêntica à que experenciei, também, no continente Sul-Americanos, mais concretamente, nas favelas do Brasil…

6.10.07

Muda o Mundo. Porque Não? A Escolha é Tua!

Viajar permite-me perceber as reais necessidades do mundo!! Quem não o faz, continua com uma venda à frente dos olhos, seguindo sempre pelo fio da vida, num limbo constante. Vive-a sem a viver, na realidade.
Viajar permite-nos questionar!!!
Só não se questiona quem não vê! Só não muda quem não se entranha na realidade! E assim, a sociedade continua a fazer de nós observadores cegos! É incrível... e faz de nós, simplesmente, aquilo que ela quer. É um jogo de poder... e uma industria organizada tem esse poder de comandar aquilo que comemos. Temos de parar esta brutalidade! Pensem naquilo que comem. Sejam unos com o Universo, a bio-diversidade, e a nossa terra mãe...
Ser-se VEGETARIANO é ser-se responsável!!! É compreender o mundo. É estar em sintonia com ele. É viver livre. É respeitar os povos com carências. É repeitar o nosso próprio corpo. É, naturalmente, viajar na e para a felicidade.

Cameron Diaz, Richard Gere, Demi Moore, Brad Pitt, Justin Timberlake, Kate Winslet, Leonardo Dicaprio, Julia Roberts, Sting, Pamela Andrerson, Paul McCartney, Kurt Cobain, Claudia Schiffer, Jerry Seinfeld, Sócrates, Henry Ford, Jack Johnson, Bryan Adams, Rainha Sofia de Espanha, Darwin, Lenny Kravitz, Platão, Prince, S. Francisco de Assis, Peter Gabriel, Isaac Newton, Leonardo Da Vinci, Albert Einstein, Pink, Pitágoras, Van Gogh, Bob Marley, Madona, Gilberto Gil, Rosseau, Voltaire, Sinead O'Connor, Rita Lee, Shanaia Twain, Brigit Bardot, Janet Jackson, Penelope Cruz, Lisa Simpson, Rodrigo Santoro, Vitoria Beckam, Bod Dylan, Tina Turner, Tom Regan, Moby ... e tantos outros... E Tu? Estás à espera de quê? Muda o Mundo. Começa por Ti!