13.1.08

VII. - O Desarranjo Intestinal Grupal em Lausanne

Hoje o dia foi passado em “Lausanne”, uma cidade perto de “Renens”. Apanhámos o comboio no sentido contrário ao habitual para ir para Genebra. Pelo caminho, abrimos os mapas enormes que ocupavam dois lugares de passageiros. Olhamos para as pessoas sentadas à nossa frente. Sorriem. Estão também na mesma situação, e dirigem-se também para Lausanne. Com canetas de feltro, seleccionamos pontos de interesse a visitar em Lausanne, riscando parte do mapa. “Tempo é dinheiro”, por isso, ao descermos na plataforma da estação de destino, voltamos a reabrir o mapa. “Sempre para cima, é sempre a subir” – comenta o Filipe entusiasticamente. Eu e a Cláudia vamos atrás das suas indicações. A parte velha da cidade situa-se a Norte da estação. As ruas começam a tornar-se íngremes à medida que subimos. Feitas de calçada, as ruas são todas ladeadas de comércio local, que hoje, Domingo, está fechado. Apenas poucos estabelecimentos se encontram abertos.
Sempre acompanhados de mochila às costas, a um passo de corrida fora do habitual, o peso que carregamos começa a fazer diferença. Mas continuamos até vislumbramos o nosso objectivo: a Catedral Notre-Dame de Lausanne. Situada no cimo da cidade, premeia-nos com uma vista fabulosa sobre toda a cidade. Por momentos faz-me lembrar a vista do cimo do castelo de S. Jorge, na minha terra, em Lisboa. Contudo, Lisboa tem outro charme, outra vista, outra desorganização urbanística que dá um ar rústico à coisa!
Percorremos o resto da cidade velha sempre com o mapa na mão. Cláudia passa agora a ser a guia dos três, apesar de ser a mais desorientada, pensando ela o contrário. “Coitada… deixa andar que é ceguinha”… dizemos nós em sussurro e rindo-nos com a situação. Visitamos também o castelo, e as ruas principais. Tiramos fotos e temos tempo para algumas palhaçadas.

A fome começa a apertar e a barriga reclama. Após termos visto tudo aquilo que nos interessava, retornamos a descer para procurar um local para paramos por momentos e recarregar baterias. É Domingo, e a maior parte do comércio está fechado. É necessário, também, satisfazer os gostos dos três: um vegetariano, um carniceiro e uma esquisita que não pode comer quase nada devido ao delicado e frágil estômago que a menina tem. Fica com dores e faz dói dói. Um restaurante aberto! Corremos esgazeadamente para ele a tal velocidade que era capaz de sentir os calcanhares a baterem no traseiro. Comida divinal, cheia de cores, cheiros, e sabores que fazem espumar qualquer um da boca. E este, é um restaurante que satisfaz os três: tem pratos para vegetarianos, carniceiros e esquisitos. Duas votações contra uma. A Cláudia acha que por ser, a peso, sairá um almoço caro. Nós não nos importamos de pagar um pouco mais por aquele repasto que está ali bem à nossa frente, em bufetes de self-service. Mas mesmo sendo dois votos a favor, saímos do restaurante à procura de outro mais barato. Ao fundo da avenida dei por mim ainda a olhar para trás e tentando balbuciar algumas palavras de imploração. Mas desisti.

Descobriram, entretanto, por entre ruas tipo “Martim Moniz”, um restaurante Kebab completamente vazio, indício claro de que só poderá ter um desfecho trágico! O homem que nos atendeu não falava uma pisca de inglês. Com a comunicação um pouco turva, o homem lá vai abrindo o pão com as mãos, mesmo sem as lavar, escolhe alguma alface encrostada e coloca-a dentro. Saboreia alguns ingredientes que vão caindo para o balcão e cuspindo para o lado outros tantos que não consegue engolir de uma vez só. Para finalizar o kebab esmurraça a minha comida com um só soco seco e valente fazendo espichar o molho escolhido. Com um sorriso entrega-me a comida num guardanapo e pede-me, descaradamente, 14 francos. Ainda tento contestar, mas encolhe os ombros dizendo que não me está a entender, afinal, não sabe inglês nem qualquer outro tipo de idioma. Acabo por ceder. De forma alarve e irracional alambazámos tudo em menos de 3 minutos. Lavamos as mãos, vestimos os casacos e os cachecóis, e de barriga cheia pomo-nos, novamente, em marcha em direcção a “Ouchy”.

Ouchy é a “estação balneária” de Lausanne, por se situar no litoral do “Lac Léman”, onde se pode desfrutar de toda uma vila percorrendo-a a pé. E percorremo-la. Sem palavras fotografava de forma compulsiva. Perdi-me da Cláudia e do Filipe. Caminhavam já mais à frente, enquanto ficava a deslumbrado com a paisagem. Um esplêndido lago com os Alpes todos cobertos de neve perfazendo um horizonte magnífico, e culminando com um pôr-do-sol indescritível. Algo paradisíaco que jamais esquecerei. Uma vista capaz de nos deixar “pedrados” pelo silêncio e quietude que me transmitiu. A beleza de uma realidade contrastante com a pequenez de um ser humano como eu que apenas quer crescer e aprimora-se dia a pós dia. Senti-me pequeno perante a imensidão dos Alpes, frios, gelados, que me aqueceram as vistas e preencheram por dentro. Volto a encontrar os amigos já bem lá mais à frente. Partilhamos sentimentos e juntos presenciamos uma beleza única. Ali, sozinhos, apenas com uma pintura da natureza à nossa frente, sentimo-nos ricos por estarmos a viver algo de belo. Nenhum dinheiro nem riqueza do mundo pagariam a sensação. E sorrimos porque afinal somos uns sortudos, por estar neste local, a esta hora, neste mesmo dia, com esta luz e energia irradiante.

Mais tarde começa a escurecer, e por isso somos obrigados a retornar a casa. Já perto dela, na subida até ao condomínio onde se situa a nossa casa, partilhamos como nos sentimos. Supostamente a partilha deveria referir-se a sentimentos e estados de alma. Contudo, preferimos partilhar, primeiro, timidamente, que andamos mal de gazes. Todos concordam que andamos em completa revolução intestinal. Houve até quem confidenciou que os foi largando pelo caminho. A Cláudia diz que não consegue fazer tal proeza. Prefere guardá-los só para ela. Rimos até com a situação, chegando mesmo a vê-la um pouco mais inchada. Mas o grande problema que se põe é que iremos dormir todos no mesmo quarto com a porta fechada. O sortudo? Aquele que adormecer primeiro. A culpa? Dos Kebabes comidos à hora do almoço, no sentido de poupar uns míseros francos suíços. A revolução chegou… e casa de banho há só uma!!!

Nenhum comentário: