13.1.08

I. Suiça Acolheu o 30º Encontro Mundial de Jovens

Já vem sendo habitual, todos os anos, partir após o Natal rumo ao encontro do “outro”, durante o período da passagem de ano. Este ano, parti para Genebra, Suiça. E o que me move todos os anos a fazer o mesmo? Bem… Descobri que há inúmeras possibilidades na maneira de viver no mundo de hoje, mais do que se pode imaginar. E quando descobri que viver está para além das circunstâncias banais a que a sociedade nos obriga a tal, consegui sentir uma sensação de liberdade e que tirar a venda que, obrigatoriamente, nos incutem a utilizar na nossa cara, faz-nos pessoas mais conscientes, abertas e felizes. Uma passagem de ano que não inclua “bezanas de caixão à cova”, drogas, e uma euforia desmedida à meia-noite será mesmo uma passagem de ano? Descobri que poderá ser já há algum tempo. E isto significa viver outras possibilidades que o mundo reconhece: a possibilidade do perdão, da esperança, a possibilidade de nos esquecermos de nós próprios e de nos deixarmos absorver pelas necessidades do outro. “Rezar pela paz no mundo” foi isso que fiz à meia-noite, juntamente com outros 40 mil jovens de todo o mundo. Que estranho não é? Na verdade, parece. No entanto, enquanto ouvimos os festejos lá fora entregamo-nos a pensar naquilo em posso ser mais e melhor para poder transformar um pouco do mundo em que vivo, por me sentir responsável por ele mesmo. Rever o nosso estilo de vida, tendo em vista mais simplicidade, mais solidariedade, faz-nos sair de nós mesmos, empenhando-nos para o respeito da dignidade de cada ser humano.
O que escrevo parece algo fanático, desmedido, louco, surreal e sem sentido. Talvez o seja para muitos. Para mim, faz um sentido brutal porque vejo a força da juventude com quem contactei a lutar por ideias nobres. A lutar por uma sociedade mais justa e equilibra, uma sociedade de respeito, de comunhão, partilha, entrega, doação, amor. Jovens que vêm dos quatro cantos da terra, todas as passagens de ano, para entrarem em contacto uns com os outros no sentido de se questionarem e questionarem, também, o sentido da vida, é algo de uma beleza e energia fascinante.

II. - A Partida e as Holandesas com os Pés de Fora!

Depois da saída do local de trabalho, regresso a casa apressadamente ainda para colocar as últimas coisas na mala de viagem, para poder apanhar, a horas, o avião com destino a Genebra. De mochila às costas, despedidas feitas, aceno para quem se foi despedir… Os que ficam também sabem o quanto especial é este tipo de viagem: para além do habitual, haverá também um turismo interior rumo ao crescimento pessoal. Aterramos em Genebra já de noite. Alteramos os relógios por mais uma hora, e dirigimo-nos para o “Hostel” que reservámos, uma vez que o acolhimento dos jovens apenas será feito no dia seguinte. Após o “chec-in” efectuado, dão-nos uma manta e um cartão a cada um para termos acesso aos quartos e casas de banho. Por entre malas, mantas, mapas, cartões e bilhetes de identidade dirigimo-nos para a camarata reservada: uma “camarata mista” entre 6 a 12 pessoas. Entrámos, e apenas com a luz da porta entreaberta conseguimos vislumbrar alguns grandes pés, de número 45 (no mínimo), de fora das mantas azuis, dadas na recepção a todos os clientes. Percebemos que a nossa camarata estava cheia com mais outras 3 holandesas pezudas. O silêncio era tal, que não tivemos coragem para desfazer as malas. Deixámo-las no quarto e viemos para a recepção a rir no pretexto de comermos qualquer coisas antes de dormir. No entanto, o problema estava mesmo em saber como nos iríamos deitar sem fazer barulho e incomodar as intrusas que estavam no nosso quarto???? Bem, este era realmente o problema. O pretexto encontrado para não irmos imediatamente dormir foi outro: o ter de ir comer qualquer coisa antes. Sentámo-nos nos bancos de madeira existentes na recepção do hostel, e por ali ficámos. Conversa puxa conversa, eu, a Cláudia e o Filipe conseguimos falar de tudo e passar por todas as emoções ao longo de todo o tempo que ali permanecemos. Rimos, em certos momentos. Emocionamos-nos, noutros. Foi o primeiro momento inicial da viagem de grande partilha. Ao longo dela seguiram-se outros intenso e fortes. Consegui acabar com todas as minhas barras energéticas numa só noite, até que, nos lembramos que estávamos a pagar um serviço e que não estávamos a usufruí-lo. Eram já 6 da manha!!! Tínhamos de nos ir deitar. O problema pôs-se novamente: como entrar no quarto sem uma única risada e sem acordar as estranjas com os pés de fora? A solução encontrada: descalçarmo-nos antes de entrarmos para o quarto, não acender as luzes, e dormir vestidos e sem lavar os dentes. “Boa noite” – dissemos nós, uns aos outros, mesmo antes de abrir a porta, com uma vontade de rir desalmada. “Sorry… but the Breakfast is just until at 9 o’clock” - disseram as Holandesas, fazendo-nos acordar das poucas horas dormidas. Faço acordar, apressadamente, também a Cláudia e o Filipe. Tínhamos apenas 5 minutos para descer. Já vestidos, apenas tivemos de nos calçar. Sem a cara lavada, os cabelos penteados ou os dentes escovados, descemos as escadas bafientos, oleosos, mal encarados e malcheirosos, em direcção ao refeitório onde aí tomamos o pequeno almoço. O “Chec-out” era até às 10 da manhã. Por isso, banho? Para quê? Pegámos nas nossas malas e partimos então para o início do grande Encontro Mundial de Jovens!

III. - A Família CLEMENT

Dirigimo-nos para o local onde, todos os jovens seriam divididos por famílias de acolhimento. Famílias que, na sua simplicidade, disponibilizaram 2m quadrados de chão para podermos dormir durante os dias do encontro, e com eles podermos também fazer parte das suas vivências e ser seus “filhos” nem que seja por alguns dias. “Welcome”, “Bienvindo”, “Willkommen”, “Vítajte”, “Sveikiatvyke”, “Tere Tulemast”, “Laipni Lúdzam”, diz um dos cartazes de Boas Vindas a todos os jovens que aqui irão viver e experênciar dias diferentes de final de ano. Após termos feito o acolhimento inicial, soubemos que iríamos viver estes dias não lá muito perto do centro da cidade. Iríamos para uma família situada em “Renens”, a 1 hora de comboio de Genebra.
Meio perdidos por entre mapas, conseguimos encontrar a nossa casa. Situada num condomínio privado “Ch. de Mont-Robert”, a família “Clement” acolheu-nos com toda a alegria. Ela é composta pelo Jean-François, o pai, a Nicole, a mãe, a Ludvine, a filha mais velha de 18 anos, e a Anne, a filha mais nova, adoptada. É uma família com algumas posses económicas. A Nicole é enfermeira num serviço de pedopsiquiatria, num hospital da cidade. O Jean-François, político, trabalha na área do realojamento na Câmara Municipal. Fundou também uma instituição de Apoio Domiciliário para os idosos da sua região. A Ludvine, das poucas vezes que a vimos, soubemos que gostaria muito de aprender espanhol. A Anne, diferente de toda a família. Pele escura, dando ares de ser Boliviana, Argentina ou Chilena… Tem uma deformação no lábio (lábio leporino). E uma menina prendada: toca piano e sabe fazer doces e bolinhos muito bons. Nham, Nham… A família não nos contou muito acerca da Anne. Pensamos, no entanto, que tenha sido adoptada. Fazem ainda parte da família 2 gatos.

A casa é uma vivenda de 4 andares. Pelos vários andares sente-se um grande investimento destes pais nos filhos. Têm pinturas e desenhos por todo o lado. Bonecos reciclados, aviões de papel pendurados, caixas e cores. É uma casa viva. Sem dúvida. Á entrada vislumbro um mapa-mundo e postais afixados na parede, vindos de todas as partes do planeta. Tomamos um chá inicial com a família para nos aquecermos dos graus negativos que estão lá fora. A família não é de falar muito. De certo, gostaríamos que fosse mais expansiva e mais entusiástica. Mas são suíços, e isso diz tudo. São acolhedores à sua medida. Disponibilizaram-nos um quarto para ficarmos e os pequenos-almoços durante todos os dias.

A família Clement é uma família “sui generis”. Adora também viajar, assim como eu. Conta-nos que quando mais novos percorreram também dias e dias de comboio para chegar até Portugal. Conhecem Lisboa e os Açores. Dizemos-lhe, no entanto, que Lisboa é uma cidade diferente daquela que viram há muitos anos atrás. Ficam contentes de saber e sorriem. Contam-nos também as suas estadias em África e pela Europa do Leste. Permanecemos algum tempo à conversa. Dizemos o que fazemos nas nossas vidas profissionais e, depois, a conversa fica por aí… Quando, por fim, se começa a falar do tempo, já sabemos que a seguir o silêncio se instala… Não será assim em todos os países e em todas as conversas? Sabemos, então, que é hora de subirmos, tomarmos um duche e preparmos-nos para conhecer o local do encontro e o centro da cidade.

IV. - Os Monstros de Renens

Apanhamos o comboio em “Renens” em direcção a “Genéve-Airport”. Na plataforma estão já muito jovens que, assim como nós, já conheceram as suas famílias, pousaram as suas bagagem, e partem para o centro do encontro: Genebra. Olho e vejo que estamos do lado errado da plataforma. A partida é na linha 2!!! Atabalhoadamente corro para uma passadeira que dá acesso entre as duas platafromas. Oiço alguém a apitar e a acenar lá do fundo. Penso que não é comigo e por isso, olho para trás, e digo, alegremente, aos amigos que me acompanham para se despacharem, acendo-lhes também com a mão para virem mais rápido com medo de perder o comboio. Dois seguranças vêm ao meu encontro enquanto gritam desmedidamente. Cometo uma grande infracção sem perceber. Atravessar uma passadeira! Sei que com a pressa não li o letreiro ENORME no meio da linha que dizia “DO NOT CROSS THE RAILWAY LINES”. Sinto que me querem espancar. Gritam junto à minha cara com o dedo indicador em riste. Olho para a plataforma, e todos os jovens que ali estão fazem um silêncio fulcral na tentativa de saber o que se está a passar. Olho então para trás, para pedir ajuda aos meus amigos. Vejo-os de costas, do outro lado da plataforma a darem a volta por umas escadas subterrâneas. Estou só. Sem apoio. E dois monstros olham para mim como se fosse o maior criminoso do mundo. Encolho os ombros e penso para comigo: “Vê-se mesmo que esta gente não conhece a estação de comboios do Cacém!”

V. - Palexpo: Um Local de Simplicidade e Reencontro

Chegamos à estação “Genéve-Airport”, onde se encontra o pavilhão “Palexpo” e onde irá decorrer todo o encontro. Há jovens por todo o lado. A estação está repleta de jovens de todo o mundo. Ouvem-se várias línguas: Inglês, Francês, Russo, Letão, Espanhol, Italiano, Croata, Japonês, Sueco, etc…A bagunça é geral, porque todos se dirigem para o mesmo local. Alguns ainda se encontram com bagagens e ainda não conheceram a família de acolhimento. São filas enormes para podermos entrar. Vamos caminhando pouco a pouco atrás dos outros. Vamos metendo conversa ora com uns ora com outros. Sente-se uma felicidade enorme no ar. Em todas as conversas sente-se o mesmo: uma grande alegria por aqui estarmos e partilharmos juntamente, sem nos conhecermos, das mesmas convicções e dos mesmos valores.
Vamos seguindo o caminho pelos corredores da Palexpo. Olhamos em volta e vislumbramos uma paisagem magnífica. O Mont-Blac todo coberto de neve. Tudo está branco. Conseguimos sentir a brisa gélida que dali vem. Agasalhamo-nos com gorros, cachecóis e luvas. Aconchegamo-nos uns nos outros. Até entrar demoramos, aproximadamente, 45 minutos. Depois de entrar, mais uns 20 minutos em filas para podermos comer.

Todos os que aqui trabalham são voluntários. Uns distribuem os sacos da comida, outros as águas, outros a comida, outros desejam simplesmente “bom apetite”. Em todos eles há uma alegria contagiante. Espalham sorrisos. E retribuímos também sorrisos. A comida??? Bem… é pouca, na verdade. Também não há pratos, nem mesas, copos, ou mesmo talheres. Quem se esqueceu de trazer os talheres de casa, partilha-os dos amigos. Somos práticos! A simplicidade reina. Sentamo-nos no chão simplesmente, e no chão comemos o que há: um pão, um ovo cozido, um enlatado de Raviolli, uma maçã, um chocolate e uma garrafa de água.

Reencontrar grandes amigos é outro grande momento que estes encontros proporcionam. As amizades que aqui se fazem são perpetuadas. São amizades verdadeiras, que vivem e alimentam-se de uma verdade única: o amor, o respeito e a partilha de tudo aquilo que somos. Cláudia e Filipe, amigos com quem partilho mais uma das minhas viagens são também exemplo disso mesmo.

Contudo, reencontro duas amigas Croatas, Mihaela e Ivana. Há 1 ano que nos conhecemos no encontro em Zagreb e que, a partir daí, temos vindo a partilhar tanto e a desenvolver a nossa amizade. Já conheceram Portugal depois disso. Mostrei-lhes o meu mundo, a minha terra em Outubro passado. Agora é o momento do reencontro. Mandamos mensagens. Combinamos um local mesmo ali na Palexpo. Vejo-as em pé, lá ao fundo à nossa espera. Por entre o maranhal de gente que ali se encontrava, corro para elas, e ali ficámos, entrelaçados, abraçados. E no silêncio, transmitimos tudo aquilo sentíamos uns aos outros. Recordo hoje esse abraço de uma amizade que sei que será genuína. Ana Galoviç, outra amiga croata, não pôde vir. No entanto, apesar de longe manda uma mensagem para o telemóvel: “I would so much like to be with you… but I have to work. I’m thinking of you all the time! Love and kisses. Ana! Say hello to everyone.”

Viajar é isto mesmo. É estabelecer relações. Muito para além do turismo, viajar é criar laços. É cativar, como nos diz o livro “O Principezinho”. Viajar é ver nos outros aquilo que somos na realidade. É vermos espelhados nos outros as nossas próprias forças e fragilidades. Afinal, viver não será mais do que partilhar? Creio que sim…

VI. - Genebra: Uma Cidade Multicultural e Ecuménica

Partimos à descoberta de Genebra. Um dos primeiros locais a visitar foi, sem dúvida, o Edifício das Nações Unidas. Construído entre 1929 e 1933, o Palácio das Nações tornou-se a sede das Nações Unidas em 1946. Actualmente, é o segundo mais importante centro das nações Unidas a seguir a Nova Iorque.
Palácio das Nações_Genebra
Á frente do Palácio das Nações encontra-se um monumento de valor artístico tal, que ninguém se torna indiferente á sua presença: “Broken Chair”, é o seu nome, criado por Daniel Berset. Como o nome indica é uma cadeira partida. Uma cadeira gigante com uma perna partida, simbolizando as vítimas das minas em África. Á primeira vista, sentimos que é mais uma das criações de arte contemporânea. Só quando nos aproximamos e lemos as legendas compreendemos o seu significado e simbolismo. Impressionante é mesmo o seu sentido imponente, grande e vistoso. Não é uma cadeira pequena partida. É uma cadeira, mas gigante; porque muitos foram também as vítimas de tal brutalidade. E ali está presente, à frente do palácio, para que todos possam ver e ninguém ficar indiferente.
"Broken Chair"_Genebra
Seguimos caminho. Dali partimos para o centro da cidade, e aos poucos e poucos percebemos que Genebra não é uma cidade de encanto. Não há nada que a caracterize de tão especial. Não há uma Torre Eiffel, um mosteiro dos Jerónimos, uma catedral imponente ou qualquer outro monumento único. Genebra é caracterizada pelo maior jacto de água do mundo, conseguindo atingir os 140 metros de altura. Algo interessante, de facto. Mas nada capaz de nos tirar o fôlego ou de nos deixar de boca aberta, em silêncio, simplesmente a apreciar tal beleza. Não. Genebra é diferente. É também caracterizada seu relógio feito de flores, que a cada estação são mudadas e transformado em novo relógio. Bonito de se ver. Mas mais uma vez, nada de especial.

Jacto de Água_Lac Léman

Então o que terá Genebra de tão peculiar? Sem dúvida, a sua beleza reside na história. A história da cidade está associada à história da Reforma Protestante no espaço cultural francófono. Genebra ganhou o cognome de "Roma protestante" ou "a cidade de Calvino". A partir de 1536, a história da cidade de Genebra passa a estar associada com a história da Reforma Protestante e não se associar ao catolicismo. O líder protestante francês João Calvino instalou-se em Genebra pela primeira vez em 1536. A partir dessa data, Genebra passou a ser local de refúgio dos protestantes europeus. Genebra é um "posto avançado do protestantismo" numa paragem de católicos. De facto, a França permaneceu católica, muito pela acção combativa dos católicos. Genebra, juntamente com Neucâtel e Waadtland são as poucas cidades ou regiões língua francesa onde a Reforma Prostestante teve assento, com reformadores como "Guilaume Farel", "Théodore de Bèze" e sobretudo o próprio “Calvino”.

Partimos então a essa descoberta, rumo ao protestantismo e ao ecumenismo. Mesmo no centro, escondida está uma das mais importantes igrejas protestantes: A “Igreja Evangélica Luterana de Genebra”. Entrámos no silêncio e na quietude contrastante com o sentimento de rua. Parámos por momentos a descansar. E, ali permanecemos durante algum tempo, num local único. Rezei um pouco. E em que se resumiu esse rezar? Bem… resumiu-se, simplesmente, a agradecer por tudo aquilo que sou. Por tudo aquilo que, diariamente, tenho a oportunidade única de presenciar e viver. Por casa dia que passa. Pelos amigos e família que tenho. Pela vida, e por poder dizer o quanto sou feliz. Sim! Sou-o. Posso dizê-lo, porque sinto-o!

Cathédrale Saint Pierre_Genebra

Após algum tempo, seguimos caminho… deixando-nos perder nas ruas da parte velha da cidade. Vislumbramos e compramos alguns “recuerdos” para trazer para os amigos de Portugal. E continuamos. Mais à frente, sentimos um verdadeiro movimento e aglomerado de pessoas. Seguimo-las. E damos de cara com a “Cathédrale Saint Pierre”. Um pináculo enorme sobressai por entre a sua composição. Apressadamente damos a volta, e expectantes ficamos ali a ver a sua envergadura. Uma Catedral fenomenal, cuja beleza é retirada pelo ruído e pelas pessoas que ali permanacem junto dela. São muitas, e por isso, decidimos não entrar, porque previmos ficar mais de meia hora na fila. Continuamos a calcorrear os passeios velhos desta cidade. Subimos ruas, descemos outras. Encontramos instalações culturais no meio da Praça Neuve. Seguimos a dentro pela “Promenade dês Bastions”. Tiramos fotografias. Rimos. Alegramo-nos. Pedimos que nos tirem fotografias para, como diz o slogan, “mais tarde recordar”. E assim é. Hoje recordo cada momento ao ver cada fotografia. Recordo cada pormenor e cada sensação que tive em cada fotografia tirada.

Praça Neuve_ Genebra

Promenade dês Bastions

Deixamo-nos perder pela envolvência da cidade. Já está a entardecer, e contianuamos a caminhar. Sentimo-nos um pouco cansados. A Cláudia quer regressar. Mas insistimos para continuar a sentir o cheiro a frio que nos envolve. Queremos parar para beber um chá quente. Mas prosseguimos. Estamos um pouco perdidos, é certo. Mas e é quando nos voltamos de costas que nos deparamos com o esplendor de um monumento. Branca e de cúpulas douradas que sobressaem da altitude a que se encontra. Subimos as escadas em sua direcção, e ali mesmo, encontramos uma Igreja Ortodoxa Russa. Entramos, sem nos determos. E admiramos.

Igreja Ortodoxa Russa

Está prestes a iniciar uma celebração. É a primeira vez que iremos assistir a uma celebração Russa, e por isso, deixamo-nos estar por mais algum tempo, nem que seja, para nos aquecermos do frio, uma vez que não encontrámos, pelo caminho, nenhum café aberto capaz de nos servir um simples chá quente. A igreja é diferente. È uma igreja escura, muito pouco iluminada. Há inúmeras imagens e ícones espalhados pela sala. O ritual é beijá-los. Há espaços próprios para o fazer, sem permitir que a imagem fique estragada. Os celebrantes vão passando de imagem em imagem, beijando-as. Reparo que as mulheres estão todas com os cabelos cobertos por um pano tipo xaile. Muitos da assembleia estão em pé, porque as cadeiras são quase inexistentes. Os cânticos são vividos e cantados com uma intensidade capaz de nos arrepiar. Nunca chegámos a ver o pastor. Apenas ouvíamo-lo. O resto da assembleia ritualiza-se através do sinal da cruz feito, primeiramente, para o lado direito, seguindo-se uma grande vénia. Este sinal da cruz é feito repetidamente vezes sem conta, uma e outra vez. Por vezes sinto-me deslocado, até porque não estou a participar. Apenas observo, sem com isso, me tenha sentido alguma vez desconfortável. Estamos em silêncio e observamos algo único.

Foi, de certo, uma experiência que culminou o nosso dia e que o enriqueceu, de certa forma. Uma experiência de verdadeiro ecumenismo. Onde aprendemos que a fé está em toda a parte. Nesta cidade, sente-se e vive-se a fé. Genebra é um pólo do protestantismo, e a sua beleza reside essencialmente aqui. Quem, turisticamente, quiser vir conhecê-la terá que, necessariamente, visitar por dentro os ritos da fé e da história pertencente a esta cidade. Genebra não é uma cidade de turismo, propriamente dito. Genebra é ecumenismo.

Já está de noite. Regressamos a casa, de comboio. A família Clement espera-nos com um chá quente. Mas de “Genebra” a “Renens” é ainda, aproximadamente, uma hora de caminho. Sentimo-nos exaustos, deixamo-nos levar pelo cansaço. Simplesmente adormecemos.

VII. - O Desarranjo Intestinal Grupal em Lausanne

Hoje o dia foi passado em “Lausanne”, uma cidade perto de “Renens”. Apanhámos o comboio no sentido contrário ao habitual para ir para Genebra. Pelo caminho, abrimos os mapas enormes que ocupavam dois lugares de passageiros. Olhamos para as pessoas sentadas à nossa frente. Sorriem. Estão também na mesma situação, e dirigem-se também para Lausanne. Com canetas de feltro, seleccionamos pontos de interesse a visitar em Lausanne, riscando parte do mapa. “Tempo é dinheiro”, por isso, ao descermos na plataforma da estação de destino, voltamos a reabrir o mapa. “Sempre para cima, é sempre a subir” – comenta o Filipe entusiasticamente. Eu e a Cláudia vamos atrás das suas indicações. A parte velha da cidade situa-se a Norte da estação. As ruas começam a tornar-se íngremes à medida que subimos. Feitas de calçada, as ruas são todas ladeadas de comércio local, que hoje, Domingo, está fechado. Apenas poucos estabelecimentos se encontram abertos.
Sempre acompanhados de mochila às costas, a um passo de corrida fora do habitual, o peso que carregamos começa a fazer diferença. Mas continuamos até vislumbramos o nosso objectivo: a Catedral Notre-Dame de Lausanne. Situada no cimo da cidade, premeia-nos com uma vista fabulosa sobre toda a cidade. Por momentos faz-me lembrar a vista do cimo do castelo de S. Jorge, na minha terra, em Lisboa. Contudo, Lisboa tem outro charme, outra vista, outra desorganização urbanística que dá um ar rústico à coisa!
Percorremos o resto da cidade velha sempre com o mapa na mão. Cláudia passa agora a ser a guia dos três, apesar de ser a mais desorientada, pensando ela o contrário. “Coitada… deixa andar que é ceguinha”… dizemos nós em sussurro e rindo-nos com a situação. Visitamos também o castelo, e as ruas principais. Tiramos fotos e temos tempo para algumas palhaçadas.

A fome começa a apertar e a barriga reclama. Após termos visto tudo aquilo que nos interessava, retornamos a descer para procurar um local para paramos por momentos e recarregar baterias. É Domingo, e a maior parte do comércio está fechado. É necessário, também, satisfazer os gostos dos três: um vegetariano, um carniceiro e uma esquisita que não pode comer quase nada devido ao delicado e frágil estômago que a menina tem. Fica com dores e faz dói dói. Um restaurante aberto! Corremos esgazeadamente para ele a tal velocidade que era capaz de sentir os calcanhares a baterem no traseiro. Comida divinal, cheia de cores, cheiros, e sabores que fazem espumar qualquer um da boca. E este, é um restaurante que satisfaz os três: tem pratos para vegetarianos, carniceiros e esquisitos. Duas votações contra uma. A Cláudia acha que por ser, a peso, sairá um almoço caro. Nós não nos importamos de pagar um pouco mais por aquele repasto que está ali bem à nossa frente, em bufetes de self-service. Mas mesmo sendo dois votos a favor, saímos do restaurante à procura de outro mais barato. Ao fundo da avenida dei por mim ainda a olhar para trás e tentando balbuciar algumas palavras de imploração. Mas desisti.

Descobriram, entretanto, por entre ruas tipo “Martim Moniz”, um restaurante Kebab completamente vazio, indício claro de que só poderá ter um desfecho trágico! O homem que nos atendeu não falava uma pisca de inglês. Com a comunicação um pouco turva, o homem lá vai abrindo o pão com as mãos, mesmo sem as lavar, escolhe alguma alface encrostada e coloca-a dentro. Saboreia alguns ingredientes que vão caindo para o balcão e cuspindo para o lado outros tantos que não consegue engolir de uma vez só. Para finalizar o kebab esmurraça a minha comida com um só soco seco e valente fazendo espichar o molho escolhido. Com um sorriso entrega-me a comida num guardanapo e pede-me, descaradamente, 14 francos. Ainda tento contestar, mas encolhe os ombros dizendo que não me está a entender, afinal, não sabe inglês nem qualquer outro tipo de idioma. Acabo por ceder. De forma alarve e irracional alambazámos tudo em menos de 3 minutos. Lavamos as mãos, vestimos os casacos e os cachecóis, e de barriga cheia pomo-nos, novamente, em marcha em direcção a “Ouchy”.

Ouchy é a “estação balneária” de Lausanne, por se situar no litoral do “Lac Léman”, onde se pode desfrutar de toda uma vila percorrendo-a a pé. E percorremo-la. Sem palavras fotografava de forma compulsiva. Perdi-me da Cláudia e do Filipe. Caminhavam já mais à frente, enquanto ficava a deslumbrado com a paisagem. Um esplêndido lago com os Alpes todos cobertos de neve perfazendo um horizonte magnífico, e culminando com um pôr-do-sol indescritível. Algo paradisíaco que jamais esquecerei. Uma vista capaz de nos deixar “pedrados” pelo silêncio e quietude que me transmitiu. A beleza de uma realidade contrastante com a pequenez de um ser humano como eu que apenas quer crescer e aprimora-se dia a pós dia. Senti-me pequeno perante a imensidão dos Alpes, frios, gelados, que me aqueceram as vistas e preencheram por dentro. Volto a encontrar os amigos já bem lá mais à frente. Partilhamos sentimentos e juntos presenciamos uma beleza única. Ali, sozinhos, apenas com uma pintura da natureza à nossa frente, sentimo-nos ricos por estarmos a viver algo de belo. Nenhum dinheiro nem riqueza do mundo pagariam a sensação. E sorrimos porque afinal somos uns sortudos, por estar neste local, a esta hora, neste mesmo dia, com esta luz e energia irradiante.

Mais tarde começa a escurecer, e por isso somos obrigados a retornar a casa. Já perto dela, na subida até ao condomínio onde se situa a nossa casa, partilhamos como nos sentimos. Supostamente a partilha deveria referir-se a sentimentos e estados de alma. Contudo, preferimos partilhar, primeiro, timidamente, que andamos mal de gazes. Todos concordam que andamos em completa revolução intestinal. Houve até quem confidenciou que os foi largando pelo caminho. A Cláudia diz que não consegue fazer tal proeza. Prefere guardá-los só para ela. Rimos até com a situação, chegando mesmo a vê-la um pouco mais inchada. Mas o grande problema que se põe é que iremos dormir todos no mesmo quarto com a porta fechada. O sortudo? Aquele que adormecer primeiro. A culpa? Dos Kebabes comidos à hora do almoço, no sentido de poupar uns míseros francos suíços. A revolução chegou… e casa de banho há só uma!!!

VIII. - Em Montreux Comi os Piores Crepes de Sempre

Montreux é uma comuna da Suíça, no cantão Vaud. Situa-se para lá de Lausanne. Os amigos polacos com quem diariamente contactávamos nos grupos de reflexão, em “Renens”, recomendaram-nos. E por isso partimos, com tempo, em busca de novos fascínios. Mais uma vez apanhámos o comboio por mais algumas horas, deixando-nos vislumbrar pela paisagem que corria à medida que o comboio andava.
Montreux é, simplesmente, belo. Creio que já percorri vários locais, mas nenhum como este. Montreux têm algo que fascina, que nos detêm e que nos impressiona. Situado na costa, circundada pelo “Lac Léman”, percorremo-la a pé até ao Castelo “Chillon”. Mais de hora e meia a caminhar e desfrutando de uma vista magnífica: As montanhas cobertas de neve, um lago azul que se confunde com as próprias montanhas. Pássaros que esvoaçam rente à aguam. As cores. Tudo. A sua serenidade é apoteótica.
Dou por mim, afastado do grupo a apreciar cada momento da vista. Não quero esquecer, jamais, esta parte do paraíso. Encosto-me a uma escarpa que dá acesso ao lago e tento fotografar a sua beleza. Olho para o visor da máquina e sinto que não capta a totalidade do que vejo. Tento novamente e olho mais uma vez. Estou certo que nenhuma fotografia consegue captar o que está à minha frente. É uma beleza única que transcende qualquer coisa. Sinto-me espectador de uma criação maravilhosa. Sinto-me também único.

As pilhas da máquina acabam-se mais uma vez. Troco as pilhas apressadamente. Volto a tirar outra, e outra, e mais outra fotografia. Não consigo parar e separo-me, consideravelmente, da Cláudia e do Filipe. Este, é um momento meu. Só meu, onde pude fechar os olhos e amar-me, oferecer-me esta paisagem e este espaço para mim próprio. Uma oferta especial recarregador de baterias, de energia, força e poder. Afinal, viajar é, também isto. Cada vez que viajo amo-me um pouco mais porque desfruto de cada pequeno momento.

Estátua do Freddie Mercury_Montreux
Consigo ver, lá bem ao fundo o Castelo: a nossa meta de chegada. Pelo caminho reencontro a Cláudia e o Filipe, e o reencontro faz-se também com um amigo Bósnio que eu e a Cláudia conhecemos no Encontro de Milão, em 2005. Estávamos perto da estátua do famoso “Freddie Mercury” junto à costa, quando alguém chama “Cláudia Marques”. Olhamos e tentamos perceber de onde conhecemos a cara. Ficamos um pouco em silêncio até ele pronunciar “Milão”. Percebemos então e reconhecemo-nos. Abraçámo-nos e aproveitámos para tirar a “bela da foto” de recordação junto da estátua. “O cabelo dele está muito mais pequeno” – comento com a Cláudia. “Foi por essa razão que não o reconhecemos imediatamente” – acrescento, e desmanchamo-nos a rir com toda a situação.
Mas o que faria Freddie Mercury aqui neste vilarejo perdido no meio do nada?
Segundo informações, sabe-se que em 1978 os Queen compraram o estúdio do casino de Montreux para poder gravar parte dos seus álbuns, e por isso, em 1984 e em 1986 foram convidados para actuarem no festival Golden Rose. Montreux foi também objecto do single “Winter's Tale” no album “Made in Heaven”, uma das últimas canções de Freddie Mercury antes da sua morte a 24 Novembro de 1991.
Despedimo-nos do amigo Bósnio junto da estátua e continuamos a respectiva caminhada, com direcção ao Castelo. No caminho fomos surpreendidos com a tonta da Cláudia a fazer palhaçadas junto a um Cartaz que dizia “La Chunga”. Evidentemente, que a risada foi geral… para nós é muito mais que uma chunga comum. É uma “chunga chique”, uma amiga que todos gostariam de ter. É alguém que nos ensina como estrangular ratos em menos de nada. (É uma quase Doutorada em Biologia). É alguém que faz com gosto a nossa comida preferida, e vegetariana! É alguém que nos ouve e escuta. É alguém que tem os mesmos objectivos de vida que nós. É alguém que tem um sorriso contagiante e uma presença “alto astral”. Enfim… é a minha amiga “chunga”…

Chegámos por fim ao Castelo, algo de uma beleza encantadora. Pela sua imponência isolado no meio de uma paisagem cega decidimos ficar sentados a apreciar a sua beleza, para além, também, de estarmos a precisar de descansar depois de vários quilómetros percorridos. Aproveitámos para comprar alguns “souvenir’s” e enviar alguns postais na caixa do correio, junto ao castelo para a família e amigos.

Mas perante tal imensidão porque não aproveitar também para meditar um pouco? Pensei eu. E assim o fiz. Tentei por momentos entrar em estado de Yôga. Sentir a energia da terra mãe, da pura natureza, do mundo a que pertenço. E tudo aquilo que experienciei deu-me, certamente, mais vida. Uma vivência pessoal única num local também único.
Retornámos ao centro de Montreux, de camioneta, sem pagar a sua entrada. Entrámos pelas traseiras e sentámo-nos sem dar-mos muito nas vistas enquanto elevávamos o queixo e a nossa visão para o alto, ao mesmo tempo que assobiávamos. Após a chegada procurámos um local para podermos comer qualquer coisa num almoço tardio. Como sobremesa, apetecia-nos algo mais de forma a podermo-nos alambazar ao máximo e regalarmos com a barriga cheia!!! A escolha? Um verdadeiro crepe de chocolate!!! Corremos até ao balcão, onde escolhemos os tamanhos. Sentámo-nos à espera que estivesse pronto. Enquanto tal, sentia que nos espumávamos a pensar na demora de tal loucura! Já podíamos sentir o seu cheiro e quase que podíamos saborear o crepe. De repente “voilá”… servem-nos um prato enorme, e sem qualquer tipo de puder agarramos desenfreadamente nos nossos talheres até esfarripar o crepe. Na primeira garfada, saboreamo-lo, e com os olhos fechados tentamos degustá-lo. Abro um olho apenas incrédulo e vejo também a cara da Cláudia. Um pouco assustado questiono-a sobre o crepe de chocolate supostamente maravilhoso. Com ar enjoado, levanta as duas sobrancelhas e comenta imperativamente “Qué isto? C’ôrror!!!”
Definitivamente sentíamos o mesmo: um sabor estranho, dessalgado, difícil de degustar e até mesmo de engolir. Baixamos ao mesmo tempo os garfos até ao prato, e quase que por instinto levámos o guardanapo à boca. A desilusão era real. O crepe sabia a podre!!! Talvez possa mesmo dizer que este foi, sem dúvida, o pior crepe da minha vida! O crepe mais caro da minha vida! O crepe mais desejado da minha vida! E ali ficámos nós, o resto da tarde, a comentar acerca da maravilha que são os crepes que, regularmente compramos marca “Modelo” e “Continente”, onde por 3 euros e pouco podemos emborcar 6 crepes pré-feitos, talvez, com um dos melhores sabores já experimentados de sempre!